quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Comoção – Food e Feeling

 



Novas tendências na gastronomia estão pipocando na Europa.
Ciente da necessidade de dar uma injeção de ânimo e renovar a visibilidade da gastronomia, o jornalista frances Alexandre Cammas resolveu investir num novo movimento que ele batizou de Fooding, uma associação de duas palavras inglesas – comida e sensação/emoção – que resulta em algo parecido com “Comoção” em portugues.
Foi em maio de 2008 em Bruxelas que descobri a proposta concreta do movimento lançado entre amigos na França em 1999.
Com preço simbólico da entrada a cinco euros, valor revertido para a Cruz Vermelha, você podia participar de uma degustação gastronômica no almoço, no lanche da tarde ou no jantar. O evento era apresentado por nove Chefs belgas e patrocinado pela indústria da alimentação.
O clima era jovem, muito festivo e marcado por três ingredientes indissociáveis para uma receita de sucesso: boa comida, bons vinhos e boa música.
Numa entrevista, Alexandre Cammas descreveu Fooding como uma versão moderna da gastronomia, palavra na concepção dele antiquada, que significa “ao uso do estomago” ou “a regulamentação da comida”.
- O Fooding é primeiramente um outro conceito da cozinha e em segundo lugar é uma proposta de servir durante as manifestações refeições quase de graça. A proposta é de modernizar a imagem da cozinha francesa e evoluir para uma cozinha mais “sexy”, seguindo os movimentos da moda e do design, ser mais contemporânea, acompanhando as novas tendências.
O evento se dirige a todos e ninguém em particular e tem como intuito de permitir à juventude descobrir a gastronomia. Bom para quem não tem acesso aos restaurantes de renome em razão do seu alto custo. Seria um meio de desenvolver o senso crítico dos jovens e prepara-los para prestar uma atenção especial na hora de escolher produtos alimentícios no futuro.
Durante os eventos gastronômicos, organizados na maior parte nos fins de semana, são servidas até duas mil refeições. Há apresentações de pequenos produtores e Chefs que falam dos seus produtos, do seu trabalho e das suas criações.
O que se constatou ao longo dos anos é que a número de adeptos jovens é cada vez maior nesses encontros.
O local e data dos eventos são divulgados pela internet, com uma palavra-chave para criar uma atmosfera de surpresa e de mistério.
Hoje o Fooding é uma marca registrada e gera renda com seus vários parceiros da indústria alimentícia para criar seu guia e seu site.
A palavra e seu conceito vêm se juntar a fast food, slow food, cozinha nolecular, world food, cuisine du terroir, cozinha industrial, cozinha fusão, cozinha do mercado e cozinha caseira no vocabulário da gastronomia.
Na realidade esses eventos são muito apropriados para a divulgação de novos talentos e suas obras, dando-lhes visibilidade no meio de um cenário informal e convidativo. E empolgam a juventude com sede de reuniões em massa a céu aberto, lembrando um pouco as raves que invadiram o mundo com suas musicas eletrônicas, house, progressive, techno, minimal, drum n’bass, full on, psy trance entre outros.
Pergunte a um DJ se ele não está tocando música nessas festas?
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domingo, 18 de outubro de 2009

A Carne e o Sangue por Frederico Lucena de Menezes

 
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Já está batido falar nos prazeres da carne e cansativo falar no sangue como exemplo daquilo que é intrínseco, precioso e vital. Pensando nos anos que morei no Uruguai, os prazeres da carne eram literalmente gastronômicos. Impressionante o carinho com que aqueles assados eram conduzidos, mas não impressionavam tanto alguns companheiros de trabalho do hemisfério norte. Cheguei a ver um daqueles fornos elétricos preparar uma carne maravilhosa em poucos minutos e o anfitrião dizer que não via diferença entre uma forma e outra de fazer o churrasco. É diferente, para pior. A outra forma – a uruguaia - é demorada e diferente daquela que vejo em Brasília, feita na churrasqueira. Devo avisar que não sei preparar por nenhuma das formas.
No Uruguai, fazem uma espécie de escadinha de ferro inclinada a 45 graus sobre o braseiro. As carnes começam lá em cima e vão descendo – imagino que pelas características de cada uma – em tempos diferentes. Cheguei a me convencer que comer aquelas carnes era (quase) ser vegetariano. Afinal, boi come capim e não existe boi industrializado. Sem dúvida é uma comida natural. Para isso a natureza nos deu o apêndice e a necessidade do zinco e das proteínas que vêm na carne vermelha. Mas, assim como descem lentamente pela escadinha sobre o braseiro, admito que o desejo por essa forma de alimento vai diminuindo com a idade. É a natureza.
A mesma natureza que nos deu o trigo e inspirou alguns povos a inventar o ritual de fazer o pão. É tão impressionante que daquela plantinha saia esse alimento, que não surpreende que seja comparado com a carne, a carne do corpo, permitindo a ingestão ritual da divindade. Carne sem sangue? Por que não? Outros rituais pressupõem isso. Mas a natureza oferece um substituto à altura: o vinho. De outra plantinha, de um fruto pequeno, fez-se um líquido de cor atraente, de cheiro agradável e gosto melhor ainda. Não se discute os prazeres da carne (há um certo consenso), mas é comum a discussão dos prazeres do vinho (onde nunca há consenso). Haverá comunhão de imagens mais simpática ao espírito que uma jarra de vinho junto a uma cesta de pães?
E os queijos? Perguntarão alguns. Aí é outra história, teríamos que falar do leite e das mães. Isso só pode vir depois do sangue e dos prazeres da carne.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Cassoulet du Boulanger

 

“Cassoulet”

Seguir a trilha até a origem desse prato nos leva ao período medieval na Europa.
No manuscrito “Le Viander”,publicado sob o pseudônimo Taillevent pelo Chef Guillaume Tirel, que atuou em várias casas reais durante seis décadas no século XIV, há uma descrição de um prato que ele classifica como um ragoût de porco, carneiro e favas.
Alguns historiadores vão mais longe nas suas pesquisas: assinalam a presença de uma receita a base de favas brancas, carneiro, legumes e especiarias numa obra escrita por Mohamed de Bagdá em 1226, dando assim uma origem moura ao prato.
A introdução do primeiro plantio de favas brancas no sul da França se deve à influência da cultura árabe no século VII.
A lenda conta que no século XVI, durante a guerra de 100 anos, na região do Languedoc, a invasão da cidade de Castelnaudary pelo exército inglês era iminente e a população local, ameaçada pelo espectro da fome, reuniu num grande caldeirão assentado em cima de uma fogueira torresmo, banha, carne de porco, lingüiças, favas e legumes para alimentar e revigorar seus soldados.
A refeição deu tão certo que entrou para a história e a tropa dos inimigos foi rechaçada até o norte do país, nas margens do Canal da Mancha.
Nessa época o feijão branco era desconhecido na Europa. Originário do México, Peru e Colômbia, seu cultivo se difundiu na França depois da descoberta das Américas. Em 1536, Alexandre de Médicis deu um saco de feijão de presente a sua irmã Catarina por ocasião do seu casamento com o futuro rei Henrique II.
Foi a partir do século XVII que as tradicionais favas da receita foram substituídas pelos feijões brancos.
No pequeno vilarejo de Issel, localizado oito quilômetros ao norte de Castelnaudary, os ceramistas aproveitarem a fama do prato para desenvolver, entre os vários utensílios domésticos da época, uma “cassole” em barro: um recipiente aberto e profundo que até hoje é utilizado para cozinhar o feijão branco e seus “pertences”, acrescentando-lhe um toque particular. A partir do século XVIII o etoufet ou ragoût de feijão branco passa a ser chamado cassoulet e hoje integra o patrimônio cultural da cidade de Castelnaudary.
O cozimento na panela de barro agrega um sabor especial à receita. É fácil entender isso quando se compara o sabor de uma moqueca preparada na autêntica paneleira de Goiabeiras do Espírito Santo e numa outra panela qualquer.
Uma tradição da região do Languedoc tenta se manter viva até hoje e se difundir pelas diversas regiões da Europa. A finalização do prato com feijão branco, tomates, cenouras, confit de pato, lingüiças, costelas de porco e um bom tempero se faz com farinha de rosca salpicado na superfície da travessa para depois ser levada ao forno dos padeiros e acabar seu cozimento, assim nasceu o famoso cassoulet du boulanger.
No Brasil, o primeiro grande bufê montado com cassoulet du boulanger e foi preparado em São Paulo pelo Chef Christian Formon e servido para mais de duzentas pessoas na comemoração de um aniversário no palco do extinto Teatro Colômbia, em 1990.
Em Brasília, os leitores podem experimentar essa guloseima diferenciada aos sábados na “Tradition”.
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sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Texto: Chef Thais Marega

 


- Com licença, boa tarde! Gostou do prato do dia? – uma pergunta que faço diariamente a meus comensais. A resposta vem antes mesmo das palavras, essas eu já consegui obter observando-os durante a sua refeição, na primeira garfada, o levantar das sobrancelhas ou o fechar apertado dos olhos remetendo, quem sabe, a uma lembrança, ao prazer de estar acariciando os sentidos com aromas, texturas, cores e sabores de um produto que teve um cuidadoso preparo.
Pegar uma matéria-prima de qualidade, estudar suas propriedades, textura, reações aos métodos de cocção a ela aplicados, observar o melhor corte para explorar ao máximo o que esse produto pode proporcionar ao prato final é a minha paixão.
Descobrir que a gastronomia é a arte minuciosa de despertar prazer na vida das pessoas deu um novo sentido ao meu ser.
A mistura de momentos, vontades, estudo, histórias, cultura, curiosidades, criatividade compões a essência dessa arte na minha vida.
Me coloco naquilo que faço, transformado os produtos em encanto, tratando matérias-primas, equipamentos e técnicas com respeito e fidelidade.
Busco transmitir conforto aos corações entristecidos ou calor em um dia mais fresco. Procuro refrescar os dias mais quentes, acolher o solitário, envolver o desiludido, fazer refletir quem está perdido. Tornar mais prazeroso o almoço de negócios e mais descontraídas as comemorações, tudo isso envolta de uma mesa.
A mesa... altar das refeições, onde a família faz a primeira reunião diária no café da manhã. Mesa, envolta da qual festas acontecem, decisões são tomadas, reflexões iniciadas. Mesa, base de apoio aos alimentos transformados e verdadeiras obras de arte por mãos que com muito amor e generosidade transformam os frutos da Terra em pedacinhos de conforto, restauração, prazer e paz.
Ouvir opiniões, selecionar a relevância das críticas e crescer com elas, ler, pesquisar, aprender com quem já sabe, ser humilde e paciente, cicatrizar a pele com o calor das panelas e o fio da faca, tudo para mergulhar nesse mundo delicioso da gastronomia, marcas da profissão que é amor e ao mesmo tempo é razão.
Gastronomia para mim é fazer da “obra” aquilo que sou, colocar alma, é mistura de muito trabalho, emoção, sensibilidade e amor.
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sábado, 3 de outubro de 2009

A Mesa e o Tempo por Frederico Lucena de Menezes


A MESA E O TEMPO




Escutei, há muitos anos, o seguinte diálogo entre minha mulher e sua mãe:
“Minha filha, hoje não jantarei com vocês, pois tenho pouco tempo”.
“Podemos fazer um jantar mais rápido”.
“Não faça isso, seu jantar é uma missa!”.
A boa refeição é mais que boa comida. É ritualizada, e rituais tomam tempo de outras atividades para que saindo do profano, se aproximem do sagrado. Daí a referência à missa. A frase da doce senhora não era uma queixa; era um lamento por não poder rezar naquela noite.
Um grande banco brasileiro usou recentemente o tempo na sua propaganda, lembrando que a vida é boa, mas com tempo é especial.
Como contrapartida, temos a famosa máxima - ou mínima, no caso -, que tempo é dinheiro. Geralmente isso é entendido que quanto menos tempo gastarmos com atividades improdutivas, melhor. Também pode significar que o tempo, por si só, é valioso.
Novamente, vou ilustrar: recém-chegado a Washington fui convidado para almoçar com um diplomata estadunidense, desejoso de retribuir alguns encontros que eu havia proporcionado em São Paulo. Vesti-me de terno e gravata sabendo que ele sairia do trabalho, e voltaria para lá. Não queria destoar. Estranhei o ponto de encontro: uma esquina de avenida comercial movimentada, com uma praça. Era verão. Fazia sol e calor. Cheguei cedo e não vi restaurante algum nas imediações. Assustei-me com uma mão firme pegando meu braço e me conduzindo apressadamente para dentro da farmácia, na mesma esquina onde eu estava. Lá havia um buffet de saladas, caixinha de plástico transparente com divisões, talheres de plástico, garrafinha de suco de laranja e mais guardanapos do que o necessário. Peguei uma mini garrafinha de tinto californiano que ninguém é de ferro. Cada um pagou o seu no caixa onde a primeira da fila comprava xarope para tosse. Acompanhei os passos rápidos e determinados do meu comensal a um banco de praça – no sol -, antes que alguém o fizesse. Comemos enquanto eu respondia como podia às perguntas secas que pretendiam demonstrar interesse pelo meu bem estar na volta aos Estados Unidos, onde deveria ficar alguns anos mais. Ao final, abriu uma caixinha de onde tirou uma pílula. Perguntei se era medicação de uso constante. Não, era a essência do vinho tinto que fazia os franceses terem menos infartos do miocárdio que os norte-americanos! “Sem precisar beber” disse, olhando para minha garrafinha vazia. Perguntei se ele havia considerado a hipótese de o coração dos franceses gostar mais de tirar o paletó, sentar à sombra, comer com talheres em prato sobre uma mesa com toalha e tirar uma soneca depois. “Leva tempo demais”, foi a resposta enquanto atirava os detritos numa lixeira pública. Nunca mais fui “convidado” por ele.
“Leva tempo demais”. Fiquei com essa frase na cabeça enquanto acariciava minha garrafinha vazia. Pensei nas muitas refeições protocolares a que compareci e percebi melhor como o protocolo e a estética se imbricam. Quando se vê a mesa posta e arrumada, percebe-se o tempo e o cuidado que foi dedicado à ocasião. Adianta-se a visão do número de convidados. Pelos copos sabe-se que bebidas serão servidas o que dá a dimensão dos tempos, das fases da refeição. Diminui a ansiedade. Para isso serve o protocolo; para antecipar a seqüência dos acontecimentos no seu aspecto formal.
A formalidade, no entanto, tem muitas faces. A mesa arrumada na hora, a ajuda dos poucos convivas na distribuição de louça, talheres e copos nos lugares, é uma das formalidades mais gostosas. Principalmente se tiverem passado – a convite – pela cozinha do anfitrião, pressentindo sabores pelos cheiros e cores. Pelos ruídos e calores.
Esses aspectos são parte do ágape, da caridade no convívio que só faz sentido com tempo e sensibilidade. O tempo não é apenas um devorador de tudo e todos que se apresentem ao seu apetite. O tempo pode ser o terreno onde se planta sementes de vida, de serenidade no compartilhar. Nenhuma imagem melhor para demonstrá-lo do que uma refeição saborosa, bonita e ritualizada. Sobretudo com o tempero do sentimento de tê-la merecido.