segunda-feira, 29 de março de 2010

Xocoati

 
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Foi quando escolhi retirar um refinado tijolinho de chocolate “Saveurs du Monde” inserido tal uma pedra preciosa lapidada num “écrin noir” da “Maison Pierre Marcolini Chocolatier” cuja assinatura cor marfim aplicada na sua face escura chamou minha atenção: Trinidad, Gana, Java, Madagascar, Venezuela, Brasil e Equador.

Fechei os olhos e deixei-o derreter lentamente sobre a língua anestesiada pelo prazer da concentração e pelo poder do seu sabor. Com o céu da boca abrindo caminho para a via olfativa, compartilhando assim com outros sentidos as emoções das essências capturadas e realçadas nessa pequena jóia. A massa crocante e tenra pouco a pouco desvaneceu para moldar a minha boca com uma fina película de doces emoções, que logo se irradiaram para além dos sentidos, para o sonho e uma viagem metafísica.

Considerado pelos Mayas como uma fruta que só podia servir para alimentar os deuses, ele foi apelidado “xocoati”, denominação que ele carrega até hoje na sua etimologia pelo mundo dos idiomas.

A polpa da fruta servia e serve até hoje para fazer um delicioso e refrescante suco.

Seus frutos são colhidos a mão, rachados no facão, os caroços retirados e deixados para fermentar por aproximadamente uma semana. Por fim, as favas são derramadas pela terra formando tapetes monocrômicos deixados ao sol e revirados até secar, remetendo ao processo de secagem do café no terreiro.

A próxima etapa, depois da escolha e triagem das sementes por especialistas e conhecedores na matéria, será realizada no atelier do artesão dos sabores o verdadeiro Chocolatier.

Ele entra em ação na escolha da qualidade e da origem das favas, que são torradas, trituradas e, por fim, moídas. Na fase de conchagem adiciona-se açúcar à pasta que será remexida lentamente durante dias até se obter uma pasta homogênea e cremosa. Temos ai a base primaria do chocolate. Para chegar a um sabor padrão, uma textura particular que permite identificar a Maison, aromas, óleos essenciais, manteigas, açúcar e segredos são adicionados à massa para depois ser enformada, recheada e comercializada.

Você encontra hoje barras de chocolate com a porcentagem de teor de cacau mencionada na sua embalagem para diferenciar as manobras das grandes indústrias de chocolate que substituíam, por exemplo, a manteiga por gorduras hidrogenadas e essências naturais mais sutis por essências químicas, sem destaque para a proporção de cacau.

O Brasil, que teve sua produtividade de cacau centralizada no sul da Bahia, está pouco a pouco se recuperando da dizimação das suas plantações vitimadas pela disseminação da vassoura de bruxa como ato de sabotagem política.

Hoje, em destaque o trabalho societário de Diego Badaró, descendente de uma família de fazendeiros de cacau e de um americano, Frederick Schilling. Juntos, eles apostam na retomada do desenvolvimento dos cacaueiros, na região de Ilhéus, reforçando a tarefa do pequeno mamífero da família dos procinídeos, o jupará, que por instinto, após se regalar com a polpa da fruta, enterra os caroços para assegurar sua fonte de sobrevivência.

Outro projeto na America do Sul: os habitantes da cidade de Tocache, ao norte de Lima, no Peru, vítimas do narcotráfico, estão substituindo o cultivo da coca pelo plantio de cacau. Cacau, sabor paz e amor.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Peça do artista Babá Santana no Babel das Artes

 
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Peça unica em papier mâché sobre cabaça do artista Babá Santana exposto na Babel das Artes no Mercado do Artesanato de João Pessoa.

domingo, 21 de março de 2010

Os Gastros Chatos por Walcyr Carrasco

Sou guloso, não nego. Pesquiso receitas, descubro restaurantes.

Gosto de comida de botequim bem feita e fujo de lugares onde a decoração é mais importante que a cozinha. Aprendi uma regra desde cedo: com peixes, vinho branco; com carnes, tinto. Mas regras existem para ser quebradas, na vida e no paladar. E por muito tempo deixei a intuição fazer a alegria de meu estômago.

Mas agora entrou em moda a harmonização. A escolha de um cardápio se tomou tão complexa quanto meu primeiro vestibular.

0 termo vem de harmonia. Segundo o dicionário Aurélio: "Conjunto ou sucessão de sons agradáveis ao ouvido; ciência da formação e encadeamento dos acordes.

Em gastronomia, significa conciliar bebidas com pratos.

Na teoria, é lindo.

Na prática, uma chatice. Faz a alegria dos gastrochatos, que gostam de exibir dotes culinários. Esses tipos, tão em voga atualmente, gostam de falar difícil para mostrar que sabem mais.

Eis um comentário típico: "Esse vinho mais encorpado, de notas vibrantes e muita personalidade, é ideal para acompanhar carnes com sabor intenso."

Deu para captar? É uma linguagem mais difícil de destrinchar que um peru de Natal! Eu me pergunto se a pessoa sabe o que esta falando. O que é realmente a personalidade de um vinho?

Como resolver o dilema de um camarão, suave ou intenso, dependendo da receita?

Fui a um jantar em um hotel em que, a cada prato, se servia um vinho diferente para, justamente, harmonizar. Lembro-me vagamente: fui carregado para meu apartamento.

No caso dos vinhos há uma tradição para combinar pratos e rótulos.

Os enólogos conhecem o assunto. Mesmo sendo muito engraçados ao descrever vinhos de forma um tanto obscura. Antes de beber, fico torcendo o nariz em busca do tal "aroma levemente frutado" e depois estalo a língua a espera das "notas de cacau e madeira". E aguardo o sabor "intenso e vibrante": vou levar um choque e sair pulando?

Quando recebo propaganda, penso: alguém acha que, se eu não entender, vai vender mais?

Mas e os azeites, chás e cafés? Não se pode mais escolher um bom extra- virgem para a salada. E preciso saber se combina, a origem, a característica. Já fui à degustação de azeites em que me fizeram provar uma colherinha de cada tipo. No final, se me dessem óleo diesel, não perceberia a diferença.

Especialistas em chás insistem ate em harmonizá-los com meu estado de espírito. Ouvi o conselho de um especialista: ” A escolha do chá deve ser minuciosa, para pacificar sua alma ou despertar sua força interior."

Mais fácil bater na porta de um pai de santo!

E os cafés? Adoro tomar café desde garoto. Sempre fui feliz. Agora descobri que não passo de um ignorante. Tal como os vinhos, os tipos de café exigem conhecimentos enciclopédicos. Não são mais fortes ou fracos. Mas "aveludados", "com notas de cereais", "amadeirados", "imensos", "suaves" ou "persistentes" . Segundo a descrição dos vendedores, alguns "têm caráter".

Com tanta falta de gente com caráter, é bom saber que pelo menos o café tem!

Quando algum chato discorre sobre minúcias da harmonização, eu pergunto: ” E minha intuição, onde fica? E meu gosto pessoal?"

Tudo bem: conciliar paladares tem seu valor.

Mas não deve ser obrigação ou símbolo de status.

Uma boa refeição é uma experiência de vida, que não pode ser reduzida a uma ciência exata de combinações de sabores.

Para mim, a harmonização que conta é entre os amigos à mesa, onde a refeição e a bebida são parte do afeto que quero compartilhar.

quarta-feira, 3 de março de 2010

O Senhor Bode

 
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Fotografia de Remo Savissar (Estônia)

Viva João Pessoa da Paraíba!
Com a minha ida à João Pessoa, fecho o circuito das visitas às capitais do Nordeste.Todas parecidas no tipo de ingredientes utilizados na suas respectivas cozinhas, mas diferentes no modo de compor e temperar suas receitas.

A culinária de João Pessoa remete mais à cozinha do sertão, mesmo estando na beira do mar. Engano nosso: a capital nasceu nas margens do rio Sanhauá por motivo estratégico-militar e está hoje abrindo seus horizontes para o mar.

Cá estou nos bastidores de um palco com Isabela e Chico Cesar, assistindo à explosiva apresentação de Elba Ramalho, levantando os braços e os corações dos pessoenses. A última vez que ouvi falar desse ícone nordestino em Brasília foi quando ela apoiou, como cidadã, o movimento contra a transposição do rio São Francisco.

Primeira refeição ao amanhecer: batata-doce com mel-de-engenho, tapioca, queijo coalho, cuscuz, pamonha, bolo de mandioca, suco de umbu e de graviola.

Sandra Vasconcelos, colunista de gastronomia e minha anfitriã, me levou para reconhecer a variedade dos produtos regionais no recém-reformado e luminoso Mercado Municipal, no centro da cidade. Do contato com os ingredientes locais, destacava-se uma grande variedade de feijões, favas e um arroz vermelho oriundo do Sudeste asiático (arroz de Veneza ou arroz-da-terra). Conta a historia que este arroz foi trazido para o Brasil pelos açorianos e, segundo o proprietário da Fazenda Tamanduá, teve sua cultura proibida em 1772 pelo governador do Maranhão, interferência que perdurou por aproximadamente 120 anos e quase resultou na sua extinção.

Fomos almoçar no “Vila Cariri”, com seu cardápio em formato de livro de cordel: “ Buchada e carne-de-sol, moqueca de peixe e pirão, rabada e jerimum, farofa, charque e feijão. O resto o freguês manda, só come bom é quem anda pras bandas desse mundão.”

Pedimos uma porção de tripinha de bode crocante, linguiça de bode com uma farofa e vinagrete, feijão-verde temperado levemente com coentro e manteiga de garrafa e o melhor cuscuz individual que já comi, coberto com nata quente acompanhado de uma carne-de-sol desfiada e refogada com muita cebola.

Estivemos também no “Mangai”, restaurante a quilo que confirma a importância deste tipo de casa, que valoriza e populariza com muito capricho a saborosa cozinha regional.

É no bairro de Tambaú que se encontra a maior variedade de restaurantes e passear a pé a noite na região é muito sossegado; a única dificuldade para o visitante de passagem pela capital é de se locomover nas calçadas invadidas por carros.

Outra particularidade de João Pessoa é de lá se encontrar restaurantes montados em casas particulares, o que torna o cenário mais aconchegante e informal.

Vários restaurantes entraram no movimento moda/decoração, valorizando e investindo mais no espaço arquitetônico e no ambiente do que no cardápio e na sua própria cozinha.

O passeio no calçadão na beira-mar permite ao turista fazer uma agradável refeição em quiosques bem cuidados, experimentar carne de caranguejo desfiada e delicadamente temperada, “tadinhos”, alevinos fritos, espeto de garoupa caramelizada pelo calor do fogo do braseiro, tendo como fundo musical o doce balanço do leve e traz das ondas do mar.

Antes das seis da "noite", vale assistir ao pôr do sol na Estação Cabo Branco – Ciência, Cultura & Artes, com sua vista imperdível de 360 graus sobre a mata Atlântica, a cidade e o Oceano Atlântico.