19/01/2012
Em guerra com STF, ministra lança livro de culinária
Marcelo Justo - 17.out.2011/Folhapress
A guerra com meia cúpula do Judiciário para preservar os poderes de investigação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) não fez a ministra Eliana Calmon descuidar de temas mais amenos.
Nesta semana, ela lança a 9ª edição do seu livro de culinária, o "REsp - Receitas Especiais". O título é um trocadilho bem humorado com a abreviação dos recursos especiais julgados no STJ (Superior Tribunal de Justiça), que ela integra desde 1999.
Apaixonada pela cozinha, Eliana acrescentou novas receitas à obra, que chegou a 367 páginas. Ela também dá dicas sobre alimentação light e ensina como receber convidados.
Os interessados no livro podem encomendá-lo no gabinete da ministra, a R$ 30. Como nas edições anteriores, ela doará tudo o que arrecadar a uma entidade beneficente: a creche Vovó Zoraide, em Uberaba (MG).
Escrito por Bernardo Mello Franco às 20h48
Teorias, pesquisas e reflexões sobre a gastronomia brasileira, por Quentin Geenen de Saint Maur
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
FHC,o presidente dos brasileiros
Mais segurança pessoal, menos desigualdade
Fernando Henrique Cardoso, entrevista a The Economist online, 19/01/12
Em 12 de janeiro o chefe da nossa sucursal em São Paulo entrevistou Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil de 1995-2002, no Instituto FHC. Eles discutiram os desafios do Brasil e seu poderio global crescente. Você pode clicar abaixo [no site da revista] para ouvir a conversa, ou ler a transcrição completa a seguir.
The Economist: Podemos começar pela maneira como a posição do Brasil no mundo está mudando? O Brasil parece estar tentando criar um novo tipo de poder mundial – um “soft power”.
Cardoso: No século passado a economia do Brasil cresceu muito consistentemente até 1980. Só o Japão cresceu mais depressa em termos per-capita. Daí em diante o Brasil tem sempre procurado novos papéis. Na cabe do povo brasileiro, somos um gigante. Mas nosso tamanho, por muito temp ele foi uma ilusão. Nós ainda não temos capacidade de desempenhar um papel importante. Ficamos o tempo todo imaginando o que poderíamos vir a ser.
O Brasil aspirava ser parte do grupo central da Liga das Nações; depois da Segunda Guerra Mundial o Brasil levantou essa possibilidade de novo [durante a criação das Nações Unidas]. Churchill vetou, dizendo que as Américas não poderiam falar com duas vozes. Churchill errou. Assim, nós sempre aspiramos um papel importante.
No século XIX, por causa do confronto entre Espanha e Portugal, nós nos envolvemos em guerras no Sul, e o império brasileiro foi percebido por nossos vizinhos como uma ameaça. Depois o eixo deslocou-se para os Estdos Unidos e o Brasil virou uma República e muito mais acomodado – e novamente hesitou. Até que ponto deveríamos desempenhar um papel hegemônico na região? Nunca assumimos esse papel. Preferimos ser amados a ser temidos.
No fim do século passado, a economia recuperou o vigor, estabelecemos tradições democráticas e redescobrimos nossas peculiaridades culturais. Isso nos deu uma sensação de que talvez pudéssemos desempenhar um papel na área da “soft politics”: não apenas por sermos economicamente fortes, mas também por causa da nossa capacidade de aceitar os outros, de sermos tolerantes. Nós gostamos de nos considerar sem preconceitos, como uma democracia racial. Não é inteiramente verdade, mas é uma aspiração com alguns ingredientes de realidade. Porque de fato nós somos mais tolerantes do que vários outros países.
Compare os Estados Unidos e o Brasil. Ambos são países construídos com base na imigração, nas no Brasil os imigrantes se integraram mais, e o que é mais impressionante é que as culturas se fundiram. Não temos uma cultura negra no Brasil, e uma cultura branca. Não tem sentido no Brasil falar de cultura negra: ela é a nossa cultura.
E nós aceitamos a variedade religiosa. Não somos intolerantes – os brasileiros são sincretistas, não fundamentalistas. E porque somos um país de imigrantes, temos contato com diferentes partes do mundo. Muitos brasileiros são japoneses e talvez mais de 10 milhões são árabes. Mais que isso são alemães. Não há outro país no mundo com mais italianos, em números absolutos. E tudo isso se fundiu. Nós nunca sabemos exatamente qual é nossa ascendência.
O Brasil sempre foi a favor do multilateralismo, em vez de relações bilaterais, e de tentar negociar, lançar pontes. A diplomacia brasileira se baseia nisso. Nós precisamos olhar para o Sul, para a bacia do Rio da Prata, e para os Estados Unidos; relacionarmo-nos tanto com os Estados Unidos quanto com o Sul.
Há elementos de flexibilidade na cultura brasileira que têm origem em Portugal, não só no Brasil. Se você comparar os portugueses e os holandeses na África, é bem diferente. Os portugueses sempre tiveram relações sexuais com os nativos.Há uma frase que eu gosto de repetir quando estou na Espanha. No século XVIII, o Marques de Pombal [Sebastião José de Carvalho e Melo, o primeiro ministro do Reino de 1750 a 1777] escreveu uma carta para seu irmão, o vice-rei do Norte do Brasil, dizendo: temos que estimular os portugueses a se casar com mulheres indígenas, porque é melhor ter meio português do que um espanhol! Eles estavam enfrentando os espanhóis e se preocupavam com a questão demográfica. Sentiam que essas crianças eram, de algum modo, portuguesas. Isso não é comum no mundo hispânico, eles se mantinham mais separados.
Então, no Brasil, a classe dominante em geral tentava disfarçar o fato de que a desigualdade era tão grande. Uma das maneiras de disfarçar as diferenças é tratar as pessoas como se elas fossem mais próximas do que realmente são, falar como se fôssemos iguais. Até certo ponto, isso é um engodo, mesmo que as pessoas não se dêem conta; é uma maneira de manter as diferenças sem provocar uma reação forte. A parte tradicional da classe dominante no Brasil será sempre amena, gentil, pedindo sempre “por favor”, em vez de mandar. Com a nova burguesia não é assim: eles são muito mais arrogantes do que os grupos da elite tradicional do Brasil. São diferentes – mais capitalistas.
The Economist: Vamos falar das mudanças sociais. O Brasil mudou muito nos últimos anos.
Cardoso: O divisor de águas foi a nova Constituição. O começo foi a luta contra o regime militar e as greves. A nova Constituição foi o batismo de uma nova sociedade.
The Economist: Ainda está mudando. Esta República é jovem; a Constituição foi escrita apenas em 1988. Vocês ainda estão ajustando suas instituições. Você participou do processo de construção de instituições, possivelmente o mais importante agente desse processo.
Cardoso: O sentido institucional sempre foi muito presente no Brasil, em comparação com outras partes do Novo Mundo. A monarquia portuguesa era estável, e somos herdeiros da coroa portuguesa. Todas as instituições chegaram aqui com o rei de Portugal e o Rio [de Janeiro] tornou-se a capital do Império português. Ao mesmo tempo, esta é uma sociedade altamente desorganizada! É difícil combinar estes fatos: que temos instituições e ao mesmo tempo estamos sempre dispostos a desobedecê-las. É a flexibilidade – o “jeitinho”. Isso é bom e ruim. Em certos aspectos nossa legislação é ótima mas a prática é um desastre. Por exemplo, temos regras muito estritas sobre a conduta dos funcionários públicos e políticos, e sobre o dinheiro público. E apesar disso a corrupção está aí.
The Economist: A corrupção está aumentando?
Cardoso: Sempre tivemos algum grau de corrupção, aqui e ali, mas o sistema não era corrupto. Agora o sistema permite a corrupção como um ingrediente normal. Todos sabem que quando você organiza um governo você tem que partilhar poder com os partidos. Mas você não está partilhando poder, você está partilhando oportunidades de ter bons contratos.
The Economist: Não foi esse o caso para você?
Cardoso: Não, não, não. Talvez num ou outro caso, mas agora o sistema inteiro está baseado nisso. Isto é novo. É uma evolução muito ruim. Na cultura política, a flexibilidade tornou-se, não flexibilidade, mas tolerância com o crime. Você tem instituições, tem tribunais, mas ninguém está na cadeia.
Fernando Henrique Cardoso, entrevista a The Economist online, 19/01/12
Em 12 de janeiro o chefe da nossa sucursal em São Paulo entrevistou Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil de 1995-2002, no Instituto FHC. Eles discutiram os desafios do Brasil e seu poderio global crescente. Você pode clicar abaixo [no site da revista] para ouvir a conversa, ou ler a transcrição completa a seguir.
The Economist: Podemos começar pela maneira como a posição do Brasil no mundo está mudando? O Brasil parece estar tentando criar um novo tipo de poder mundial – um “soft power”.
Cardoso: No século passado a economia do Brasil cresceu muito consistentemente até 1980. Só o Japão cresceu mais depressa em termos per-capita. Daí em diante o Brasil tem sempre procurado novos papéis. Na cabe do povo brasileiro, somos um gigante. Mas nosso tamanho, por muito temp ele foi uma ilusão. Nós ainda não temos capacidade de desempenhar um papel importante. Ficamos o tempo todo imaginando o que poderíamos vir a ser.
O Brasil aspirava ser parte do grupo central da Liga das Nações; depois da Segunda Guerra Mundial o Brasil levantou essa possibilidade de novo [durante a criação das Nações Unidas]. Churchill vetou, dizendo que as Américas não poderiam falar com duas vozes. Churchill errou. Assim, nós sempre aspiramos um papel importante.
No século XIX, por causa do confronto entre Espanha e Portugal, nós nos envolvemos em guerras no Sul, e o império brasileiro foi percebido por nossos vizinhos como uma ameaça. Depois o eixo deslocou-se para os Estdos Unidos e o Brasil virou uma República e muito mais acomodado – e novamente hesitou. Até que ponto deveríamos desempenhar um papel hegemônico na região? Nunca assumimos esse papel. Preferimos ser amados a ser temidos.
No fim do século passado, a economia recuperou o vigor, estabelecemos tradições democráticas e redescobrimos nossas peculiaridades culturais. Isso nos deu uma sensação de que talvez pudéssemos desempenhar um papel na área da “soft politics”: não apenas por sermos economicamente fortes, mas também por causa da nossa capacidade de aceitar os outros, de sermos tolerantes. Nós gostamos de nos considerar sem preconceitos, como uma democracia racial. Não é inteiramente verdade, mas é uma aspiração com alguns ingredientes de realidade. Porque de fato nós somos mais tolerantes do que vários outros países.
Compare os Estados Unidos e o Brasil. Ambos são países construídos com base na imigração, nas no Brasil os imigrantes se integraram mais, e o que é mais impressionante é que as culturas se fundiram. Não temos uma cultura negra no Brasil, e uma cultura branca. Não tem sentido no Brasil falar de cultura negra: ela é a nossa cultura.
E nós aceitamos a variedade religiosa. Não somos intolerantes – os brasileiros são sincretistas, não fundamentalistas. E porque somos um país de imigrantes, temos contato com diferentes partes do mundo. Muitos brasileiros são japoneses e talvez mais de 10 milhões são árabes. Mais que isso são alemães. Não há outro país no mundo com mais italianos, em números absolutos. E tudo isso se fundiu. Nós nunca sabemos exatamente qual é nossa ascendência.
O Brasil sempre foi a favor do multilateralismo, em vez de relações bilaterais, e de tentar negociar, lançar pontes. A diplomacia brasileira se baseia nisso. Nós precisamos olhar para o Sul, para a bacia do Rio da Prata, e para os Estados Unidos; relacionarmo-nos tanto com os Estados Unidos quanto com o Sul.
Há elementos de flexibilidade na cultura brasileira que têm origem em Portugal, não só no Brasil. Se você comparar os portugueses e os holandeses na África, é bem diferente. Os portugueses sempre tiveram relações sexuais com os nativos.Há uma frase que eu gosto de repetir quando estou na Espanha. No século XVIII, o Marques de Pombal [Sebastião José de Carvalho e Melo, o primeiro ministro do Reino de 1750 a 1777] escreveu uma carta para seu irmão, o vice-rei do Norte do Brasil, dizendo: temos que estimular os portugueses a se casar com mulheres indígenas, porque é melhor ter meio português do que um espanhol! Eles estavam enfrentando os espanhóis e se preocupavam com a questão demográfica. Sentiam que essas crianças eram, de algum modo, portuguesas. Isso não é comum no mundo hispânico, eles se mantinham mais separados.
Então, no Brasil, a classe dominante em geral tentava disfarçar o fato de que a desigualdade era tão grande. Uma das maneiras de disfarçar as diferenças é tratar as pessoas como se elas fossem mais próximas do que realmente são, falar como se fôssemos iguais. Até certo ponto, isso é um engodo, mesmo que as pessoas não se dêem conta; é uma maneira de manter as diferenças sem provocar uma reação forte. A parte tradicional da classe dominante no Brasil será sempre amena, gentil, pedindo sempre “por favor”, em vez de mandar. Com a nova burguesia não é assim: eles são muito mais arrogantes do que os grupos da elite tradicional do Brasil. São diferentes – mais capitalistas.
The Economist: Vamos falar das mudanças sociais. O Brasil mudou muito nos últimos anos.
Cardoso: O divisor de águas foi a nova Constituição. O começo foi a luta contra o regime militar e as greves. A nova Constituição foi o batismo de uma nova sociedade.
The Economist: Ainda está mudando. Esta República é jovem; a Constituição foi escrita apenas em 1988. Vocês ainda estão ajustando suas instituições. Você participou do processo de construção de instituições, possivelmente o mais importante agente desse processo.
Cardoso: O sentido institucional sempre foi muito presente no Brasil, em comparação com outras partes do Novo Mundo. A monarquia portuguesa era estável, e somos herdeiros da coroa portuguesa. Todas as instituições chegaram aqui com o rei de Portugal e o Rio [de Janeiro] tornou-se a capital do Império português. Ao mesmo tempo, esta é uma sociedade altamente desorganizada! É difícil combinar estes fatos: que temos instituições e ao mesmo tempo estamos sempre dispostos a desobedecê-las. É a flexibilidade – o “jeitinho”. Isso é bom e ruim. Em certos aspectos nossa legislação é ótima mas a prática é um desastre. Por exemplo, temos regras muito estritas sobre a conduta dos funcionários públicos e políticos, e sobre o dinheiro público. E apesar disso a corrupção está aí.
The Economist: A corrupção está aumentando?
Cardoso: Sempre tivemos algum grau de corrupção, aqui e ali, mas o sistema não era corrupto. Agora o sistema permite a corrupção como um ingrediente normal. Todos sabem que quando você organiza um governo você tem que partilhar poder com os partidos. Mas você não está partilhando poder, você está partilhando oportunidades de ter bons contratos.
The Economist: Não foi esse o caso para você?
Cardoso: Não, não, não. Talvez num ou outro caso, mas agora o sistema inteiro está baseado nisso. Isto é novo. É uma evolução muito ruim. Na cultura política, a flexibilidade tornou-se, não flexibilidade, mas tolerância com o crime. Você tem instituições, tem tribunais, mas ninguém está na cadeia.
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
O emblema da impunidade por José Serra
Foi no meu gabinete de senador, em 1997, que conheci a médica Ceci Cunha, levada pelo meu então colega Teotônio Vilela. Tratava-se de uma simples visita. Ela tinha sido a primeira mulher eleita deputada federal por Alagoas, em 1994. Era do PSDB.
Seu trabalho parlamentar se orientava por dois compromissos: fortalecimento das políticas sociais voltadas à saúde e à educação e apoio ao desenvolvimento do seu estado e do agreste alagoano, pois fora eleita pelo maior município da região: Arapiraca.
A conversa foi agradável e começou de forma divertida, com o Teotônio dizendo que a estava trazendo para conhecer um paulista importante e que a ajudaria nas suas lutas para levar apoio e iniciativas a Arapiraca.
Eu respondi mais ou menos assim: “Olhe, Ceci, isso é conversa do senador. Em São Paulo, eu não sou da classe dominante. Aqui no Senado, não sou o líder do meu partido, não participo da Comissão de Orçamento nem sou tão popular como o Téo entre os colegas. Ele só está querendo impressioná-la. Mas eu é que vou lhe pedir ajuda para meus projetos que estão na Câmara…” Caímos os três na risada.
Dedicamo-nos, em seguida, a conversar sobre Alagoas, sua terrível situação financeira na época, e sobre o agreste, seus dramas e seu potencial inexplorado. Falei-lhe um pouco dos projetos que desenvolvi para o Nordeste no tempo em que chefiara o Ministério do Planejamento, como o Pró-Água e o Prodetur, mas sobretudo procurei aprender sobre seu estado e sobre os serviços da saúde, cuja realidade ela tão bem conhecia.
Pois não é que, no dia 31 de março de 1998, assumi o Ministério da Saúde, meta que nunca havia passado por minha cabeça? É evidente que o Teotônio Villela tivera alguma premonição ao apresentar-me a deputada e ginecologista do agreste alagoano.
Acolhi-a rapidamente no ministério, sabendo que iria receber diagnósticos e propostas confiáveis. Torci por sua reeleição, que era naquele ano, e a encontrei depois, feliz da vida, e vindo cobrar o atendimento de reivindicações pendentes.
Mas foi a última vez que a vi. De forma estúpida e cruel, ela foi simplesmente fuzilada na noite do dia da diplomação dos eleitos, 16 de dezembro. Além dela, foram assassinados seu marido, seu cunhado e a mãe do seu cunhado, todos na varanda da casa de sua irmã, que ela fora visitar.
Tratou-se de uma execução, ordenada pelo primeiro suplente de deputado, que desejava assumir como titular. Enviou três capangas.
Ele assumiu mesmo o mandato, mas foi rapidamente cassado pela Câmara Federal, em 7 de abril de 1999, tornado inelegível e preso no dia seguinte. Mas conseguiu sair em março de 2000, passando, junto com os capangas, a responder pelo processo em liberdade, apesar de todas as evidências de culpa.
Pois bem, o julgamento será agora, nesta segunda-feira, 16 de janeiro de 2012, no Fórum da Justiça Federal do estado.
O que aconteceu desde a chacina constitui um caso apropriado didático para cursos de direito: como assassinos podem conseguir ser julgados em primeira instância somente treze anos depois do seu crime!
A culpa por esse absurdo não é dos juízes nem dos procuradores de justiça. É da legislação que favorece a impunidade. Discussões sobre qual seria a Justiça competente, a federal ou a estadual, e recursos interpostos sem fim, arrastaram o caso até agora.
Já houve oito decisões de enviar os criminosos para o júri, sempre adiadas pelo uso e abuso de recursos e manobras. E vejam só: a decisão será de primeira instância, cabendo recurso a tribunais superiores.
Mas a definição dos jurados de Maceió é fundamental para que, em breve, os dois filhos do casal possam exclamar: justiça foi feita!
sábado, 14 de janeiro de 2012
Vale ler na integra: Maiores em conflito com a lei
O Estado de São Paulo de 11 de janeiro de 2012
Eduardo Graeff, cientista político, foi secretário-geral da Presidência da República (Governo Fernando Henrique Cardoso). Blog: www.eagora.org.br - O Estado de S.Paulo
A lei exige transparência no trato da coisa pública, mas o costume ampara quem leva vantagem. A tensão entre esses dois princípios é o pano de fundo da novela da corrupção que se arrasta, há anos, diante dos nossos olhos.
Do fim da censura à imprensa, em 1978, passando pela Constituição de 1988, até a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2004, e a Lei de Acesso à Informação recém-sancionada, o Brasil muniu-se de praticamente todos os instrumentos legais necessários para a gestão democrática, transparente e responsável do Estado.
Por que, então, prevalece a sensação de que a corrupção aumentou, em vez de diminuir?
De um lado, porque as instituições funcionam. A imprensa toca o alarme, a polícia, as comissões parlamentares e os tribunais de contas investigam, o Ministério Público denuncia, a Justiça instaura processos. Tudo isso gera notícia e aumenta a percepção pública de irregularidades, que antes da democratização ficariam escondidas. De outro, porque as instituições não funcionam como deveriam: expõem a corrupção, mas raramente chegam à punição dos culpados.
Oito anos depois de aparecer num vídeo achacando um, por assim dizer, bicheiro, Waldomiro Diniz, então subchefe da Casa Civil, ainda não foi formalmente acusado - responde a processos, mas por outros fatos. O número de servidores federais demitidos por improbidade aumentou bastante depois da criação da Corregedoria-Geral da União, em 2001. Mas o risco de um servidor demitido sofrer alguma sanção penal é de apenas 3%, constatou Carlos Higino Ribeiro de Alencar num estudo sobre a eficácia da Justiça no combate à corrupção.
Para o mau funcionamento das instituições há remédios legais. Alguns já aplicados, como a súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Outros em discussão, como a "PEC dos Recursos", defendida pelo ministro Cezar Peluso. Se eles tiverem o efeito esperado, de desemperrar as engrenagens da Justiça, a impunidade pode diminuir e com ela, em alguma medida, a corrupção.
A corrupção e a impunidade têm outras causas, porém, mais culturais do que institucionais. A nossa herança patrimonialista, morta e enterrada na letra da lei, ainda vive na prática. Agentes públicos comportam-se como se fossem donos de pedaços do Estado. Os apadrinhados, movidos pela lealdade ao chefe político, acima de tudo. Os concursados, blindados por seus direitos adquiridos, começando por uma estabilidade no emprego equivalente à vitaliciedade que outros países reservam aos membros do Judiciário. Uma consequência direta disso é a manutenção de privilégios legais, mas injustificáveis. A obtenção de vantagens ilegais é um efeito secundário inevitável. Quem não vê nada de errado em lesar o público por uma coisa não se deve escandalizar tanto com a outra.
O aprendizado democrático da sociedade pode apertar o cerco aos privilégios encastelados no Estado. A aplicação contínua e mais rigorosa da lei pode diminuir a tolerância com a corrupção. Em que prazo? Não sei. Mas se já investimos tantos anos nessa possibilidade, mais vale insistir do que desistir antes de ver resultados.
A função pedagógica da lei, contudo, não depende somente de bons textos. Requer bons professores: lideranças, autoridades que deem lições de integridade pelo exemplo de seus atos, mais do que palavras.
Acontece que a maioria dos exemplos vindos de cima nos últimos anos transmite a lição oposta: a de que levar vantagem à custa do erário pode ser não apenas tolerável, mas defensável, se for pelo partido, pela classe ou pela causa certos. Se figuras de proa da República dão um jeito de driblar ou torcer a lei em proveito próprio, o que esperar dos seus subordinados?
O conflito entre a magistratura e o Conselho Nacional de Justiça escancarou essa tensão ali, onde as suas implicações são mais dramáticas. Acredito que a maioria dos juízes cumpra a lei com o mesmo rigor com que a aplica. Mas a força com que seus representantes esperneiam contra a fiscalização dos atos administrativos dos tribunais indica que eles ainda não incorporaram realmente, profundamente, o princípio da transparência democrática.
Manter ou limitar as funções de fiscalização do Conselho Nacional de Justiça tem tudo para vir a ser um desses atos exemplares, capaz de acelerar ou atrasar a mudança de mentalidades, além de fixar jurisprudência. Prestação de contas é uma obrigação que vale para todos os agentes públicos? Ou ela admite ressalvas quando os guardiães da lei estão em causa? Queira ou não a nossa Corte Suprema, é assim que sua decisão será entendida pelo público e pelos próprios magistrados.
Ironia ou armadilha da História: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz jus ao título de pai do CNJ, dentro da reforma do Poder Judiciário que ele estimulou. Ao mesmo tempo, Lula carrega o estigma - do qual gostaria de se livrar - de padrinho do mensalão, o maior escândalo de corrupção destes anos, que o Supremo Tribunal Federal também está em via de julgar. O legado institucional da sua Presidência estará em causa no julgamento dessas duas, digamos, realizações tão contraditórias. A própria composição do Supremo Tribunal Federal leva a sua marca, aliás - na medida em que Lula nomeou a maioria dos seus integrantes.
Transparência ou opacidade da Justiça? Punição exemplar ou prescrição penal para os mensaleiros? Não sei para que lado Lula usará a influência que inegavelmente tem nesses dois julgamentos. Prefiro nem pensar.
Os próximo capítulos da nossa novela política serão emocionantes, em todo caso.
Eduardo Graeff, cientista político, foi secretário-geral da Presidência da República (Governo Fernando Henrique Cardoso). Blog: www.eagora.org.br - O Estado de S.Paulo
A lei exige transparência no trato da coisa pública, mas o costume ampara quem leva vantagem. A tensão entre esses dois princípios é o pano de fundo da novela da corrupção que se arrasta, há anos, diante dos nossos olhos.
Do fim da censura à imprensa, em 1978, passando pela Constituição de 1988, até a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2004, e a Lei de Acesso à Informação recém-sancionada, o Brasil muniu-se de praticamente todos os instrumentos legais necessários para a gestão democrática, transparente e responsável do Estado.
Por que, então, prevalece a sensação de que a corrupção aumentou, em vez de diminuir?
De um lado, porque as instituições funcionam. A imprensa toca o alarme, a polícia, as comissões parlamentares e os tribunais de contas investigam, o Ministério Público denuncia, a Justiça instaura processos. Tudo isso gera notícia e aumenta a percepção pública de irregularidades, que antes da democratização ficariam escondidas. De outro, porque as instituições não funcionam como deveriam: expõem a corrupção, mas raramente chegam à punição dos culpados.
Oito anos depois de aparecer num vídeo achacando um, por assim dizer, bicheiro, Waldomiro Diniz, então subchefe da Casa Civil, ainda não foi formalmente acusado - responde a processos, mas por outros fatos. O número de servidores federais demitidos por improbidade aumentou bastante depois da criação da Corregedoria-Geral da União, em 2001. Mas o risco de um servidor demitido sofrer alguma sanção penal é de apenas 3%, constatou Carlos Higino Ribeiro de Alencar num estudo sobre a eficácia da Justiça no combate à corrupção.
Para o mau funcionamento das instituições há remédios legais. Alguns já aplicados, como a súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Outros em discussão, como a "PEC dos Recursos", defendida pelo ministro Cezar Peluso. Se eles tiverem o efeito esperado, de desemperrar as engrenagens da Justiça, a impunidade pode diminuir e com ela, em alguma medida, a corrupção.
A corrupção e a impunidade têm outras causas, porém, mais culturais do que institucionais. A nossa herança patrimonialista, morta e enterrada na letra da lei, ainda vive na prática. Agentes públicos comportam-se como se fossem donos de pedaços do Estado. Os apadrinhados, movidos pela lealdade ao chefe político, acima de tudo. Os concursados, blindados por seus direitos adquiridos, começando por uma estabilidade no emprego equivalente à vitaliciedade que outros países reservam aos membros do Judiciário. Uma consequência direta disso é a manutenção de privilégios legais, mas injustificáveis. A obtenção de vantagens ilegais é um efeito secundário inevitável. Quem não vê nada de errado em lesar o público por uma coisa não se deve escandalizar tanto com a outra.
O aprendizado democrático da sociedade pode apertar o cerco aos privilégios encastelados no Estado. A aplicação contínua e mais rigorosa da lei pode diminuir a tolerância com a corrupção. Em que prazo? Não sei. Mas se já investimos tantos anos nessa possibilidade, mais vale insistir do que desistir antes de ver resultados.
A função pedagógica da lei, contudo, não depende somente de bons textos. Requer bons professores: lideranças, autoridades que deem lições de integridade pelo exemplo de seus atos, mais do que palavras.
Acontece que a maioria dos exemplos vindos de cima nos últimos anos transmite a lição oposta: a de que levar vantagem à custa do erário pode ser não apenas tolerável, mas defensável, se for pelo partido, pela classe ou pela causa certos. Se figuras de proa da República dão um jeito de driblar ou torcer a lei em proveito próprio, o que esperar dos seus subordinados?
O conflito entre a magistratura e o Conselho Nacional de Justiça escancarou essa tensão ali, onde as suas implicações são mais dramáticas. Acredito que a maioria dos juízes cumpra a lei com o mesmo rigor com que a aplica. Mas a força com que seus representantes esperneiam contra a fiscalização dos atos administrativos dos tribunais indica que eles ainda não incorporaram realmente, profundamente, o princípio da transparência democrática.
Manter ou limitar as funções de fiscalização do Conselho Nacional de Justiça tem tudo para vir a ser um desses atos exemplares, capaz de acelerar ou atrasar a mudança de mentalidades, além de fixar jurisprudência. Prestação de contas é uma obrigação que vale para todos os agentes públicos? Ou ela admite ressalvas quando os guardiães da lei estão em causa? Queira ou não a nossa Corte Suprema, é assim que sua decisão será entendida pelo público e pelos próprios magistrados.
Ironia ou armadilha da História: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz jus ao título de pai do CNJ, dentro da reforma do Poder Judiciário que ele estimulou. Ao mesmo tempo, Lula carrega o estigma - do qual gostaria de se livrar - de padrinho do mensalão, o maior escândalo de corrupção destes anos, que o Supremo Tribunal Federal também está em via de julgar. O legado institucional da sua Presidência estará em causa no julgamento dessas duas, digamos, realizações tão contraditórias. A própria composição do Supremo Tribunal Federal leva a sua marca, aliás - na medida em que Lula nomeou a maioria dos seus integrantes.
Transparência ou opacidade da Justiça? Punição exemplar ou prescrição penal para os mensaleiros? Não sei para que lado Lula usará a influência que inegavelmente tem nesses dois julgamentos. Prefiro nem pensar.
Os próximo capítulos da nossa novela política serão emocionantes, em todo caso.
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