quarta-feira, 15 de maio de 2013

Nina Horta acerta na mosca na sua coluna no encarte "Comida" de hoje.


Incomodem-se

Fico brava quando encontro juventude totalmente desmotivada. Sugiro ao jovem, por exemplo, que vá à Liberdade, que leia o livro do David Chang, que assista ao vídeo do Momofuku (o nome do restaurante dele em Nova York), que leia a revista que ele criou, a “Lucky Peach”, e, a partir disso, comece a inventar qualquer coisa semelhante com comida brasileira.
Ele me olha com cara de paisagem. Não sabe inglês, menino? Faz isso com o livro da Ofélia, da Palmirinha, das dezenas de autores brasileiros. Foi ao encontro do caderno “Paladar” (do jornal “O Estado de S. Paulo”) com tanta novidade?
Se não se interessar pelo assunto no qual trabalha, se não quer conhecer seus pares, se não tem curiosidade por um produto novo, larga a cozinha, meu bem, vai procurar teu espaço.
Se não forem curiosos agora, quando chegarem a uma vetusta idade, não vão poder visitar países de mochila, entrar na cozinha dos restaurantes, subir e descer morros atrás de um bar escondido, ler até estufar o olho, experimentar receitas de brotos de bambu, substituir as raspas de bonito por raspas de porco! Renascer por meio da imaginação e da curiosidade!
Claro que estou falando para quem trabalha com cozinha. Estou falando com chefs de restaurantes, chefs de bufê, com todas as brigadas que trabalham no ramo. Com quem manda e com quem obedece. Do patrão ao lavador de louça.
Juro, meninos, sem olhar atento, sem prazer na língua, sem humor, sem generosidade, não vai dar. Os tempos estão bicudos. É a hora da sobrevivência dos mais aptos, se não correrem, se não derem de si o melhor, o bicho pega. Por favor, não fiquem nos seus empregos empatando quem quer ir para frente. Atenção, Exército de Brancaleones acomodados nas cozinhas do mundo inteiro. Se vocês não tiverem dentro de si o perfeccionismo de quem quer ser o primeiro, a vontade de ser diferente, vão é se afogar na massa dos acomodados.
Comecei toda essa arenga ao ver o vídeo do David Chang, coreano, americano, dono do Momofuku. Logo no começo, ele abre um pacotinho de lâmen, de Miojo, e começa por comê-lo cru com o pozinho por cima, com a boca melhor do mundo, lembrando-se da infância.
Dali, ele passa a jogar o Miojo cozido no liquidificador e a fazer um tentador nhoque em três minutos, com muita cebolinha, glup, glup. O que ele quer é misturar as ideias do outro com as suas, divertindo-se à grande, no processo.
Por favor, aqueles que não foram mordidos pelo assunto “comida” bem que poderiam trabalhar noutro lugar que não fosse cozinha, achar o seu nicho não vai ser tão difícil.
Não vem que não tem, “sou pobre, não estudei, moro longe, a cozinha é muito quente”. É por isso mesmo, porque não estudou vai estudar agora, o simples contato com outro cozinheiro vai te dar forças, aproveite um dos poucos lugares onde ainda existem mestres que também foram pobres em cozinhas quentes. Cada um, à sua volta, tem um monte de coisas pra ensinar e trocar. Avante, molecada, saiam do espaço de conforto, incomodem-se, aprendam antes que seja tarde