Teorias, pesquisas e reflexões sobre a gastronomia brasileira, por Quentin Geenen de Saint Maur
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
Museu a Céu Aberto
O cheiro de queimado do Senado permeava o ar da cidade de Brasília e decidi viajar para aliviar o peso desse ambiente contaminado.
No dia seguinte da minha chegada à Bahia, ao amanhecer, pegamos a balsa e logo em seguida um ônibus até Guaiú.
O motorista buzinava a cada ser que cruzava na beira da estrada em sinal de “tudo bem”, “bom dia”, “tenho um recado para você”.
Assim chegamos na hora do “vamos descer”, sem mesmo ter percebido que o transporte coletivo tinha rodado por mais de meia hora.
Fomos logo afogar os pés na areia do mar. A praia fica entre a ex capital do cacau e o Museu a Céu Aberto do Redescobrimento. As águas dos rios deixavam pegadas barrentas no meio do mar azul brilhoso, largando como único vestígio da sua passagem sementes e folhas do mangue.
A conversa entre nós rolava como fora do tempo, num outro paralelo, numa outra dimensão.
A hora da fome parecia ter chegado e nos levou a procurar a bem falada choupana da Dona Maria Nilza.
Algo me permitiu pensar que o lugar era bem particular e que o vento estava soprando para uma nova descoberta, aos pés de Iemanjá.
Logo na entrada um fogão à lenha, na cozinha aberta para todos verem.
Seguimos as dicas da cozinheira, decidida e sabendo do que estava falando. A carne de Aratu estava em falta, mas tinha carne de siri catado, um polvo caçado nos rochedos da frente preparado com vinagrete e um vermelho a borralheiro, peixe abundante na região, envolvido em folha de bananeira e assado coberto pelas cinzas do fogão, acompanhado de um purê de abóbora sapo. Um quente e bem preparado molho de pimenta caseira, cada vez mais difícil de encontrar mesmo na Bahia.
Na sobremesa a cocada de cacau, a base de sementes torradas desta fruta, sem coco, bem amarga e crocante, acompanhava o café de coador passado na hora.
Que sonho mais agradável aquele que supera na qualidade a própria esperança.
Na balsa para Santa Cruz de Cabrália, contornamos sua ilha de mangue em formato de coração.
Um nativo apontou para a Cidade Alta onde duas novas casas construídas por “gente de fora” descaracterizavam a vista histórica com sua igrejinha branca, interferindo no ponto de referência para os pequenos barcos de pesca em alto mar.
Perguntei se ainda havia muitos pescadores na cidade, ele me convidou para conhecer a Tarifa, pequena edícula na beira do rio onde os pescadores vendem os frutos da sua pesca na parte da manhã.
No dia seguinte cheguei ao porto bem cedo, as traineiras estavam sendo descarregadas dos seus tributos.
Dezenas de Dourado-do-mar (Cabeçudo, Guaraçapé) de dois metros de comprimento e de coloração verde-azulada e prateada com suas caudas furcadas saiam das entranhas da pequena embarcação, após esta ter passado dias a mais de trinta milhas da costa.
Na bancada azulejada do mercadinho destacavam-se outras jóias dos fundos marinhos da região: dois Atuns azuis, Raias e uma grande variedade de Vermelhos, alguns com listras amarelas ou pontinhos brancos, e Pargos. Bastava ali uma pitada de sal, pimenta e uma boa manteiga para degustá-los com muito prazer.
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Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOlá Quentin, que bom ter notícias suas. Adorei o blog e o texto também é belíssimo! passarei a frequentá-lo, com muito prazer,
ResponderExcluirChuvinha
Reencontrar Quentin pelo texto, pela palavra, inevitavelmente nos remete aos aromas, bouquets e prenúncio dos mais sutis e inesquecíveis sabores. Sabores de viver, de comer, de assimilar, internalizar. Quentin é, simplesmente um mágico. Merlin dos mais refinados prazeres. Felizes aqueles que compartilham a ceia do mestre, eu, mais que feliz, entre eles.
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