Teorias, pesquisas e reflexões sobre a gastronomia brasileira, por Quentin Geenen de Saint Maur
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
Três leituras três estilos
Três leituras três estilos.
O mercado editorial está ampliando com novos gêneros de livros sua ação na divulgação da gastronomia.
Hoje você encontra nas estantes das livrarias livros de culinária com conteúdo, histórico, pratica, visual, assinados por Chefs e pesquisadores.
Nesses últimos meses me regalei com alguns desses lançamentos e achei pertinente compartilhar com vocês minha leitura de três deles.
Cozinha Maternal
“Alcobaça”, escrito pela professora Laura Góes, conta sua trajetória de educadora cozinheira. Fala de sua juventude na casa de férias da família em Petrópolis, das aventuras de uma jovem recém casada em país estrangeiro, da necessidade de encarar o forno e fogão para alimentar e dar aconchego a sua familia. Relata a fundação de dois renomados colégios em São Paulo (onde alguns dos meus sobrinhos estudaram), até a resolução de abrir uma “Maison d’Hôtes” nas alturas do Rio de Janeiro.
As paixões de Laura pela culinária e pela educação estão se irradiando no contexto social e cultural da região, onde ela desenvolve uma ação humanista e erudita.
O viajante que pousa na sua Maison desfruta de uma liberdade total pouco comum num empreendimento comercial. Sem horários para as refeições: sempre há a comidinha caseira no fogão a lenha, a qualquer hora do dia.
Uma trajetória bem sucedida, uma filosofia a procura de qualidade e harmonia na vida numa proposta coerente que aconselho a todos os proprietários de pousadas ou futuros investidores na área de ler.
Na segunda parte do livro, Laura oferece algumas receitas que são razão do sucesso da sua mesa.
Cozinha Historica
“Delicias do Descobrimento” é um conjunto de verbetes ilustrados, resultado de uma pesquisa em escritos e relatos do século XVI. O trabalho da autora Sheila Moura Hue releva a importância da criatividade e adaptação dos colonizadores à necessidade vital de integrar aos seus costumes e fazeres na culinária os ingredientes e produtos existentes na região, valendo-se com precaução dos hábitos alimentares indígenas.
Para quem aprecia esse tipo de leitura, aconselho também “Historia da Alimentação no Brasil” de Luis da Camara Cascudo, livro de pesquisa e estudo etnológico muito denso e mais hermético, editado há mais de trinta anos.
Cozinha Identidade
“O Ultimo Chef Chinês”, romance de Nicole Mones, especialista em culinária chinesa, nos permite acompanhar a ascensão de uma critica de gastronomia americana, Maggie, com uma analise psicológica da personagem e uma profusão de informações e macetes profissionais. A autora nos abre as portas da gastronomia vista de um ângulo jornalístico. Seu enredo gira em torno de uma matéria inédita de Maggie sobre o sino-americano Lian Wei, um descendente fictício da ultima família de Chefs da época imperial da China. O encontro dos dois protagonistas em Pequim se estende numa sucessão de capítulos com ricas descrições e muita sensibilidade. De um lado, um homem jovem à procura do resgate da sua identidade e das suas dificuldades para se tornar Chef pelos meandros práticos e emocionais do mundo da gastronomia chinesa. Do outro, a critica gastronômica confrontada com uma cultura desconhecida, descobrindo parâmetros sensoriais e hábitos milenares que hoje são absorvidas pelo mundo afora, algumas vezes sem seu notório reconhecimento.
sábado, 12 de setembro de 2009
Texto de Maria Olimpia - Como uma palavra mágica
Maria Olimpia, Fazenda do Mel em Visconde de Mauá
Como uma palavra mágica, falar em gastronomia, me transporta a casa de minha avó, na velha Bahia, onde nasci. Apesar dos três andares, salões, capela muitos quartos, era a cozinha que exercia, em mim, o maior fascínio... Aquelas negras alforriadas, magas, carregando caldeirões fumegantes, as línguas de fogo vermelho do enorme fogão a lenha e, como em um ritual religioso o ar se condensa de perfumado incenso, também ali, a atmosfera nebulosa inebriava com o aroma de delícias culinárias. Eu, deslumbrada em meio a magia e encantamento, aguardava, paciente, a hora de provar algo que me elevaria ao céu... A gastronomia já fazia parte da minha vida.
Nos dias de festa, as moquecas de peixe com o azeite de dendê dourando o molho entremeado pelo branco do leite de coco e acompanhado pelo feijão doce (ou feijão de leite) era o meu prato predileto. Tantos outros pratos da comida africana, trazida junto com os escravos, compunham a rica mesa do folclore baiano, que me permiti uma fusão com eles, ganhando alguns prêmios nos concursos de gastronomia da Festa do Pinhão em Visconde de Mauá. Assim misturei minhas raízes, fincadas nas praias encoqueiradas de minha infância, com o produto natural da Mata da Serra da Mantiqueira, o pinhão, que apanho no chão macio e verde da fazenda onde moro.
Não posso deixar de citar aqui as maravilhosas sobremesas da casa de minha avó; que carrego nos ombros da minha memória, como um caracol carrega sua casa. Após as comidas seguiam-se o Toucinho de Céu (com amêndoas), os Papos de Anjo (com ovos e calda de açúcar), a Baba de Moça (com coco).
Na religião, também vemos a oferta de pratos especiais para cada entidade do candomblé, como acontecia em outros rituais religiosos e gastronômicos das mitologias com deuses e banquetes ofertados pelos homens.
A Bahia oferece uma comida exótica e colorida, com características próprias, de alegre acolhida e hospitalidade. Tudo isto é gastronomia. Ela nos proporciona momentos de prazer e felicidade, nos elevando a um plano de transmutação, capaz de despertar a afabilidade daqueles que nos acompanham numa refeição. Assistimos isso no lindo filme - A Festa de Babete.
Comer bem e bem acompanhado, desde a primeira etapa da escolha dos ingredientes, a viagem pela horta semelhante a um besouro que procura o néctar doce nas flores da mata-chegar ao momento de oferecer o prato pronto às pessoas que amamos, me traz o desejo de perdoar aos que ainda não consigo amar.
Às vezes, fico entregue a devaneios noite adentro, o que me causa insônia, imaginando o prato que nunca fiz... Fazer gastronomia, faz parte das minhas fantasias: encontrar um sabor novo, alquimista tentando transformar chumbo em ouro, é um momento que pode me levar a exaustão ou a conquista de uma vitória. Um almoço em família, ao ar livre, em um dia de sol ou degustar quitutes e vinho, à beira de uma lareira, numa noite fria, com alguém muito especial, é gastronomia para todos os gostos.
A gastronomia preencheu a minha vida nos últimos vintes anos desta, trouxe a mim na maturidade, emoções que me faltavam viver, quando participei do evento TERRA MADRE
na Itália, por exemplo, e, na velhice, me conforta o estômago e aquece o coração.
Emocionada, ao trazer para a mesa, a torta de morango que costumo fazer quando meus netos e o pequeno bisneto vêem me visitar, na Fazenda onde moro, verifico que estou lhes proporcionando usufruir do privilégio de ter a infância vivida por mim na casa de minha avó. A gastronomia faz dessas coisas: nos leva do presente para o passado e traz o passado ao presente. Sou feliz assim.
Como uma palavra mágica, falar em gastronomia, me transporta a casa de minha avó, na velha Bahia, onde nasci. Apesar dos três andares, salões, capela muitos quartos, era a cozinha que exercia, em mim, o maior fascínio... Aquelas negras alforriadas, magas, carregando caldeirões fumegantes, as línguas de fogo vermelho do enorme fogão a lenha e, como em um ritual religioso o ar se condensa de perfumado incenso, também ali, a atmosfera nebulosa inebriava com o aroma de delícias culinárias. Eu, deslumbrada em meio a magia e encantamento, aguardava, paciente, a hora de provar algo que me elevaria ao céu... A gastronomia já fazia parte da minha vida.
Nos dias de festa, as moquecas de peixe com o azeite de dendê dourando o molho entremeado pelo branco do leite de coco e acompanhado pelo feijão doce (ou feijão de leite) era o meu prato predileto. Tantos outros pratos da comida africana, trazida junto com os escravos, compunham a rica mesa do folclore baiano, que me permiti uma fusão com eles, ganhando alguns prêmios nos concursos de gastronomia da Festa do Pinhão em Visconde de Mauá. Assim misturei minhas raízes, fincadas nas praias encoqueiradas de minha infância, com o produto natural da Mata da Serra da Mantiqueira, o pinhão, que apanho no chão macio e verde da fazenda onde moro.
Não posso deixar de citar aqui as maravilhosas sobremesas da casa de minha avó; que carrego nos ombros da minha memória, como um caracol carrega sua casa. Após as comidas seguiam-se o Toucinho de Céu (com amêndoas), os Papos de Anjo (com ovos e calda de açúcar), a Baba de Moça (com coco).
Na religião, também vemos a oferta de pratos especiais para cada entidade do candomblé, como acontecia em outros rituais religiosos e gastronômicos das mitologias com deuses e banquetes ofertados pelos homens.
A Bahia oferece uma comida exótica e colorida, com características próprias, de alegre acolhida e hospitalidade. Tudo isto é gastronomia. Ela nos proporciona momentos de prazer e felicidade, nos elevando a um plano de transmutação, capaz de despertar a afabilidade daqueles que nos acompanham numa refeição. Assistimos isso no lindo filme - A Festa de Babete.
Comer bem e bem acompanhado, desde a primeira etapa da escolha dos ingredientes, a viagem pela horta semelhante a um besouro que procura o néctar doce nas flores da mata-chegar ao momento de oferecer o prato pronto às pessoas que amamos, me traz o desejo de perdoar aos que ainda não consigo amar.
Às vezes, fico entregue a devaneios noite adentro, o que me causa insônia, imaginando o prato que nunca fiz... Fazer gastronomia, faz parte das minhas fantasias: encontrar um sabor novo, alquimista tentando transformar chumbo em ouro, é um momento que pode me levar a exaustão ou a conquista de uma vitória. Um almoço em família, ao ar livre, em um dia de sol ou degustar quitutes e vinho, à beira de uma lareira, numa noite fria, com alguém muito especial, é gastronomia para todos os gostos.
A gastronomia preencheu a minha vida nos últimos vintes anos desta, trouxe a mim na maturidade, emoções que me faltavam viver, quando participei do evento TERRA MADRE
na Itália, por exemplo, e, na velhice, me conforta o estômago e aquece o coração.
Emocionada, ao trazer para a mesa, a torta de morango que costumo fazer quando meus netos e o pequeno bisneto vêem me visitar, na Fazenda onde moro, verifico que estou lhes proporcionando usufruir do privilégio de ter a infância vivida por mim na casa de minha avó. A gastronomia faz dessas coisas: nos leva do presente para o passado e traz o passado ao presente. Sou feliz assim.
Leite, mel e identidades
Leite de vaca, de cabra, de camelo, de ovelha, de baleia, de golfinho e hoje leite de soja.
Podemos entender a mesma denominação básica para os leites já que são de origem mamífera, resta a duvida sobre o leite de soja, mas como o látex é “leite de arvore” porque não ter leite de uma leguminosa?
Mas, e o mel?
Uma polêmica pouco compreensível sobre a denominaçao do mel das abelhas com ferrão e o das abelhas sem ferrão se estende entre os produtores de mel das abelhas Apis Melliferas (as com ferrão) e os colhedores de mel das abelhas Meliponíneas (as sem ferrão).
O mel da abelha Apis Melliferas encontra-se em todos os mercados e lojas naturais e tem como fonte o fruto da prospecção das abelhas importadas: africanas ou européias. Seu teor em umidade é só de 20% e sua quantidade de açúcares redutores pode chegar a 65%, o que permite uma conservação com mais longevidade e diminui risco de fermentação. Seu sabor se limita a algumas variedades e sua qualificação é ligada diretamente às flores que as abelhas visitam durante a floração: mel de eucalipto, silvestre, de laranja, etc. Este mel tem a vantagem de ser recolhido em grande quantidade. As colméias comportam enxames maiores e são hospedadas em caixas moveis para ajudar a polinização de grandes pomares e plantações, permitindo uma padronização dos sabores. O perigo é uma nova doença, um ácaro que está extinguindo as colônias das Apis Melíferas pelo mundo.
O mel de abelha Meliponíneas, nativa ou indígena, denominadas Jataí, Uruçu e Tiúba é licoroso (35 % de umidade e até 50 % de concentração de açucares redutores), uma verdadeira iguaria para os conhecedores. Seu sabor é particular com uma leve ponta de acidez e traz na sua bagagem degustativa o histórico dos biomas da sua origem: o pólem das plantas silvestres. Plantas que ela ajuda a fertilizar na Mata Atlântica, no Cerrado, no Pantanal, na Caatinga e na selva Amazônica pois as abelhas nativas se encontram em todo o território nacional. As colméias são menores e a retirada do mel é delicada e deve ser feito manualmente.
Os Chefs brasileiros, formados ou influenciados pela gastronomia européia, acostumados a trabalhar com mel nas suas receitas estão descobrindo a diversidade e a riqueza do mel das Meliponíneas, aproveitando seu sabor peculiar e sofisticado para acompanhar carnes, aves, peixes.
Os Glaciers estão criando sorvetes e sorbets artesanais perfumados por ele; e os Chocolatiers aproveitam sua delicadeza e personalidade para temperar cremes e manteigas para rechear seus bombons.
É incompreensível que o mel das abelhas sem ferrão não possa ser chamado de mel por uma norma burocrática que estabelece os padrões de identidade e qualidade, definindo como mel o produto originário somente das abelhas Melliferas. Em razão desse não senso alguns apicultores colhedores estão desumidificando seus produtos para poder se enquadrar nas normas dos órgãos públicos.
Lamento essa restrição na identidade, o mel das abelhas sem ferrão contribui muito para a valorização e enriquecimento da diversidade dos ingredientes brasileiros.
Será que ovo é só da galinha vinda da India e os outros são óvulos ou todos são óvulos.
A Ema natural do Brasil bota o que?
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