sábado, 12 de setembro de 2009

Texto de Maria Olimpia - Como uma palavra mágica

Maria Olimpia, Fazenda do Mel em Visconde de Mauá

Como uma palavra mágica, falar em gastronomia, me transporta a casa de minha avó, na velha Bahia, onde nasci. Apesar dos três andares, salões, capela muitos quartos, era a cozinha que exercia, em mim, o maior fascínio... Aquelas negras alforriadas, magas, carregando caldeirões fumegantes, as línguas de fogo vermelho do enorme fogão a lenha e, como em um ritual religioso o ar se condensa de perfumado incenso, também ali, a atmosfera nebulosa inebriava com o aroma de delícias culinárias. Eu, deslumbrada em meio a magia e encantamento, aguardava, paciente, a hora de provar algo que me elevaria ao céu... A gastronomia já fazia parte da minha vida.
Nos dias de festa, as moquecas de peixe com o azeite de dendê dourando o molho entremeado pelo branco do leite de coco e acompanhado pelo feijão doce (ou feijão de leite) era o meu prato predileto. Tantos outros pratos da comida africana, trazida junto com os escravos, compunham a rica mesa do folclore baiano, que me permiti uma fusão com eles, ganhando alguns prêmios nos concursos de gastronomia da Festa do Pinhão em Visconde de Mauá. Assim misturei minhas raízes, fincadas nas praias encoqueiradas de minha infância, com o produto natural da Mata da Serra da Mantiqueira, o pinhão, que apanho no chão macio e verde da fazenda onde moro.
Não posso deixar de citar aqui as maravilhosas sobremesas da casa de minha avó; que carrego nos ombros da minha memória, como um caracol carrega sua casa. Após as comidas seguiam-se o Toucinho de Céu (com amêndoas), os Papos de Anjo (com ovos e calda de açúcar), a Baba de Moça (com coco).
Na religião, também vemos a oferta de pratos especiais para cada entidade do candomblé, como acontecia em outros rituais religiosos e gastronômicos das mitologias com deuses e banquetes ofertados pelos homens.
A Bahia oferece uma comida exótica e colorida, com características próprias, de alegre acolhida e hospitalidade. Tudo isto é gastronomia. Ela nos proporciona momentos de prazer e felicidade, nos elevando a um plano de transmutação, capaz de despertar a afabilidade daqueles que nos acompanham numa refeição. Assistimos isso no lindo filme - A Festa de Babete.
Comer bem e bem acompanhado, desde a primeira etapa da escolha dos ingredientes, a viagem pela horta semelhante a um besouro que procura o néctar doce nas flores da mata-chegar ao momento de oferecer o prato pronto às pessoas que amamos, me traz o desejo de perdoar aos que ainda não consigo amar.
Às vezes, fico entregue a devaneios noite adentro, o que me causa insônia, imaginando o prato que nunca fiz... Fazer gastronomia, faz parte das minhas fantasias: encontrar um sabor novo, alquimista tentando transformar chumbo em ouro, é um momento que pode me levar a exaustão ou a conquista de uma vitória. Um almoço em família, ao ar livre, em um dia de sol ou degustar quitutes e vinho, à beira de uma lareira, numa noite fria, com alguém muito especial, é gastronomia para todos os gostos.
A gastronomia preencheu a minha vida nos últimos vintes anos desta, trouxe a mim na maturidade, emoções que me faltavam viver, quando participei do evento TERRA MADRE
na Itália, por exemplo, e, na velhice, me conforta o estômago e aquece o coração.
Emocionada, ao trazer para a mesa, a torta de morango que costumo fazer quando meus netos e o pequeno bisneto vêem me visitar, na Fazenda onde moro, verifico que estou lhes proporcionando usufruir do privilégio de ter a infância vivida por mim na casa de minha avó. A gastronomia faz dessas coisas: nos leva do presente para o passado e traz o passado ao presente. Sou feliz assim.
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