terça-feira, 25 de agosto de 2009

Gato por Lebre



A expressão, bem antiga, nasceu da prática de alguns espertos que vendiam gato por lebre nas feiras livres e casas especializadas em carne de caça. Até que veio uma lei obrigando a apresentar os animais com a cabeça e as patas, para impossibilitar a falsidade.
Pois saiba que a expressão pode não ter perdido seu sentido original.
Você já experimentou o pirarucu?
Muitos dirão que nunca encontraram esse peixe da Amazônia nas peixarias, em cardápios de restaurantes ou mercados.
Doce ilusão. Você pode ter um dia preparado ou comido pirarucu disfarçado de outro peixe.
Em alguns mercados, carne de pirarucu desfiada e lombos generosos são vendidos salgados com o nome de bacalhau.
Nada ver com aquele peixe de tamanho médio, “Gadus Morhua” das águas geladas do Oceano Ártico, pescado em grande escala com redes e processado em navios fábricas.
Prato emblemático da cozinha portuguesa, conservado seco e salgado ele é “demolhado” e preparado de mil e uma maneiras diferentes, sempre regado de um bom azeite de oliva. Sua apresentação nas bancas de secos e molhados é de peixe aberto, eviscerado, de formato triangular, sempre sem cabeça, com sua carne branca salgada, seca e dura de um lado e de outro sua pele bege acinzentada.
No norte da Europa ele é muito apreciado fresco. Sua carne se separa em grandes gomos quando assado ou cozido, hábito remanescente de um costume alimentar divulgado pelos vikings.
O “Arapaima Gigas”, Pirarucu, é um dos maiores peixes de água doce do mundo. Ele se encontra na bacia amazônica em áreas de várzea ou em lagos e rios de águas quentes e calmas. Seu nome vem da junção de duas palavras indígenas “Pira” significa peixe e “Urucum” por ter sua calda de cor avermelhada.
O peixe carnívoro pode chegar a três metros de comprimento e pesar até duzentos e cinqüenta quilos. É fisgado com arpão quando sobe para respirar na superfície da água. A pesca é muito esportiva e pede um olhar atento para localizar a vítima e uma boa preparação física na hora de tira-la da água.
Sua carne saborosa é firme e abundante de cor branca. É retirada em mantas e tradicionalmente salgada para facilitar sua conservação. A língua é utilizada pelos indios para ralar o bastão de guaraná. As escamas são verdadeira lixa para unhas.
Hoje já existe criação em manejo e o Ibama regula sua pesca para controlar a espécie ameaçada.
No fim dos anos 80 uma empresa brasileira recorreu ao mesmo artifício com o peixe Surubim, lançando no mercado o Surubim defumado fatiado. Ela apresentava seu produto como salmão nacional, o que resultava em frustração dos compradores na hora de experimentar o produto, tendo na memória comparativa um sabor e uma textura totalmente diferente. Hoje o produto se encontra com sua devida denominação e até o Itamaraty serve a iguaria nas suas recepções como produto genuinamente brasileiro.
Outro peixe da região amazônica, o gurijuba, com seus files tingidos de urucum e levemente defumados, inundou o mercado nacional sobre a denominação de haddock.
Os três peixes brasileiros são bem saborosos. Então por que insistir nesse marketing?
Preconceito com os ingredientes nacionais ou falsidade ideológica com fins lucrativos?
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segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Museu a Céu Aberto



O cheiro de queimado do Senado permeava o ar da cidade de Brasília e decidi viajar para aliviar o peso desse ambiente contaminado.
No dia seguinte da minha chegada à Bahia, ao amanhecer, pegamos a balsa e logo em seguida um ônibus até Guaiú.
O motorista buzinava a cada ser que cruzava na beira da estrada em sinal de “tudo bem”, “bom dia”, “tenho um recado para você”.
Assim chegamos na hora do “vamos descer”, sem mesmo ter percebido que o transporte coletivo tinha rodado por mais de meia hora.
Fomos logo afogar os pés na areia do mar. A praia fica entre a ex capital do cacau e o Museu a Céu Aberto do Redescobrimento. As águas dos rios deixavam pegadas barrentas no meio do mar azul brilhoso, largando como único vestígio da sua passagem sementes e folhas do mangue.
A conversa entre nós rolava como fora do tempo, num outro paralelo, numa outra dimensão.
A hora da fome parecia ter chegado e nos levou a procurar a bem falada choupana da Dona Maria Nilza.
Algo me permitiu pensar que o lugar era bem particular e que o vento estava soprando para uma nova descoberta, aos pés de Iemanjá.
Logo na entrada um fogão à lenha, na cozinha aberta para todos verem.
Seguimos as dicas da cozinheira, decidida e sabendo do que estava falando. A carne de Aratu estava em falta, mas tinha carne de siri catado, um polvo caçado nos rochedos da frente preparado com vinagrete e um vermelho a borralheiro, peixe abundante na região, envolvido em folha de bananeira e assado coberto pelas cinzas do fogão, acompanhado de um purê de abóbora sapo. Um quente e bem preparado molho de pimenta caseira, cada vez mais difícil de encontrar mesmo na Bahia.
Na sobremesa a cocada de cacau, a base de sementes torradas desta fruta, sem coco, bem amarga e crocante, acompanhava o café de coador passado na hora.
Que sonho mais agradável aquele que supera na qualidade a própria esperança.
Na balsa para Santa Cruz de Cabrália, contornamos sua ilha de mangue em formato de coração.
Um nativo apontou para a Cidade Alta onde duas novas casas construídas por “gente de fora” descaracterizavam a vista histórica com sua igrejinha branca, interferindo no ponto de referência para os pequenos barcos de pesca em alto mar.
Perguntei se ainda havia muitos pescadores na cidade, ele me convidou para conhecer a Tarifa, pequena edícula na beira do rio onde os pescadores vendem os frutos da sua pesca na parte da manhã.
No dia seguinte cheguei ao porto bem cedo, as traineiras estavam sendo descarregadas dos seus tributos.
Dezenas de Dourado-do-mar (Cabeçudo, Guaraçapé) de dois metros de comprimento e de coloração verde-azulada e prateada com suas caudas furcadas saiam das entranhas da pequena embarcação, após esta ter passado dias a mais de trinta milhas da costa.
Na bancada azulejada do mercadinho destacavam-se outras jóias dos fundos marinhos da região: dois Atuns azuis, Raias e uma grande variedade de Vermelhos, alguns com listras amarelas ou pontinhos brancos, e Pargos. Bastava ali uma pitada de sal, pimenta e uma boa manteiga para degustá-los com muito prazer.
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