terça-feira, 13 de julho de 2010

Madrugada no Atelier do Pão.




“Pão com manteiga no café” é tão primordial para nossa vida como sol raiar ao amanhecer.

Hoje nas padarias, o espaço reservado ao nosso pão de cada dia está invadido por mil e um produtos utilitários que sufocam o pequeno notável, e colocam em segundo plano a própria razão da sua real denominação.

Algumas delas parecem mais farmácias de manipulação, com seus vendedores fantasiados de enfermeiros, a boca coberta por um véu e as mãos embrulhadas em sacos plásticos recortados por dedos.

Será que os filhos das farinhas de trigo estão doentes ou os vendedores sofrem de um mal contagioso ou ainda temos ali produtos contaminados em manuseio?

Será necessário agredir a personalidade das pessoas que nos atendem em nome de uma pseudo-higiene e com uma postura anti-ecológica usando esses artifícios?

Tudo em nome da higiene; nada que um bom sabonete e uma escova de unhas não resolveriam ao dizer de um infectologista de renome nacional.

Na memória ainda adormecida, a visão dos campos de trigo de Cristalina dourando ao sol, seu corte mecânico e as máquinas separando os grãos para os homens e as hastes para o gado.

Fui assistir à fabricação do pão artesanal no atelier de uma padaria de Brasília. Duas da manhã, a farinha liberada dos sacos se junta à água gelada e ao fermento na medida certa para iniciar uma longa sessão de massagem por meio de braços mecânicos até formar uma bela massa homogênea cujo canto surdo anuncia ao artesão padeiro que ela está precisando descansar.

Enquanto ela repousa, o padeiro prepara outras receitas, com misturas, farinhas, texturas, sabores com variedades de grãos, farelos, frutas secas, com ovos, leite, manteiga, com inspiração e muita dedicação.

O boulanger estava atarefado nas preparações, com sua equipe, um ao lado do outro, os artesãos do pão, num sincronismo geminiano, dividiam a massa-mãe em pequenas porções os pâtons pesando cada um e alinhando todos na mesa de trabalho.

Duas mãos, dez dedos, cada com sua função, achatavam e dobravam os pâtons em três no comprimento, apertando-os delicadamente, uma vez com a ponta dos dedos, depois de dar meia volta, deixavam seu dedão correr por dentro da dobra enquanto fechavam a emenda, outra hora com a palma da mão aprisionando o ar necessário para deixar a leveza e toda a sutileza dos segredos da sua confecção.

A massa da baguette parisienne, depois de dividida esticada e rolada, fica deitada por horas, num pano de linho rústico apelidado de couche armazenada em prateleiras, numa estufa, verdadeira incubadeira, para descansar e crescer em silencio e protegida, na temperatura e umidade ideais.

Quando chegam à maturidade, assinados na ponta do estilete, grigne, eles são enfornados por lotes diretamente sobre a pedra do forno, para sair assados, com a sola firme, escura e uma crosta dourada e crocante.

Esse pão artesanal levado à boca libera sua personalidade e provoca um duelo de sabores entre o levemente amargo da crosta torrada e a suave textura do seu miolo, uma verdadeira comunhão entre a terra e o céu.

A loja abre, os clientes entram para escolher seus pães, a refeição que vai transferir a energia para ritmar o dia.

Com os olhos sorrindo, os artesãos do pão admiram suas criações, felizes de ter um oficio que lhes proporciona prazer e orgulho para todos aqueles que sabem diferenciar e valorizar o produto de qualidade.

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