quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Brasil brasileiro

Janaina Fidalgo - O Estado de S.Paulo
SAN SEBASTIÁN - Querendo ser local, mas mantendo os "poros abertos para o global", a vanguarda da gastronomia espanhola abriu espaço nesta edição do San Sebastián Gastronomika, encerrada ontem no País Basco, para uma lufada de ar fresco de três "cozinhas emergentes": Brasil, México e Peru.

Divulgação
Brigada cabocla. Entre os integrantes, Claude, Roberta, Rodrigo, Helena. Alex e Thomas: pela primeira vez uma delegação de chefs brasileiros vai unida a um congresso de gastronomia

Foi a primeira vez que uma delegação de chefs brasileiros viajou junta a um congresso de gastronomia. E a estreia coletiva, num momento em que muito se falou sobre a necessidade de haver uma integração mundial entre os cozinheiros, não poderia ter sido mais simbólica. Teve como cenário essa cidade que, ainda que pequena, tem três triestrelados Michelin - Arzak, Akelarre e Martín Berasategui.

"A cozinha brasileira está com uma saúde que nunca teve. É impressionante como subiu em poucos anos e a passos largos", disse Berasategui ao Paladar. "O que o Brasil tem de forte neste momento é o fato de diferentes gerações de cozinheiros estarem vestindo a mesma camisa. Isso faz com que tenha uma das mais importantes cozinhas do mundo."

Citando o exemplo da cozinha espanhola, Pedro Subijana, do Akelarre, disse que o reconhecimento e a repercussão da gastronomia de um país é resultado de trabalho duro e insistência. "Durante anos ninguém nos deu respaldo, nem as instituições nem ninguém. Tínhamos objetivos bem definidos. Mas só depois que nos valorizaram fora foi que os de casa nos reconheceram."

Se depender da atenção que o Brasil conquistou nesta edição, ao menos dos chefs espanhóis que ocuparam a primeira fileira do Palácio Kursaal, parte do caminho está trilhado. Coube aos brasileiros a abertura do Gastronomika, na última segunda-feira - bem, na verdade, a um francês, ainda que brasileiríssimo.

Apontado por Alex Atala como um dos precursores do que hoje se entende por cozinha brasileira, Claude Troisgros passeou, junto do filho, Thomas, por criações marcantes em sua carreira, como o caviar de tapioca.

Helena Rizzo levou seus exercícios de fruição, expressos numa poesia escrita por ela e nas experiências com a araruta - ingrediente de cultura quase abandonada que chegou ao cardápio do Maní por vias tortuosas, depois de uma viagem ao Japão. Num vídeo com cenas rurais intercaladas a outras gravadas no restaurante, Helena apresentou um produtor baiano de araruta, seu Pedro Cone, e compartilhou a dificuldade de conseguir licuri fresco, "o coquinho de vida curta que, logo depois de colhido, fica rançoso".

Na apresentação seguinte, Rodrigo Oliveira recorreu a uma combinação infalível para teletransportar o público ao Mocotó: uma dose de cachaça e o crec-crec do torresmo, uma "língua universal". Compartilhou a maneira como aprimorou a técnica de preparo do torresmo, alertou para o desaparecimento da cozinha dos cozidos e brincou ao associar uma das técnicas da cozinha tecnoemocional, a esferificação, à perfeição da fava. "É uma cápsula de purê. Já nasce esferificada."

A ênfase no produto e no produtor foi a tônica da aula de Roberta Sudbrack. Conhecida por eleger a cada ano um ingrediente de estudo, falou do milho plantado por d. Virgínia: "Meu mise en place começa no quintal dos produtores". Com ele, fez um curau servido com pele de banana.

Último brasileiro a se apresentar, Alex Atala adotou um tom mais político ao lamentar a falta de apoio do governo na divulgação da gastronomia brasileira. Questionou o que é inovação na cozinha, ao defender a criatividade quando ela tem utilidade, e disse que, se ainda há sabores a serem descobertos, eles estão na América Latina. "Somos a maior despensa de produtos a serem revelados. Sem exagero, podemos afirmar que o futuro da gastronomia passa pela Amazônia e pelo Cerrado", disse Atala.

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