Teorias, pesquisas e reflexões sobre a gastronomia brasileira, por Quentin Geenen de Saint Maur
terça-feira, 23 de outubro de 2012
Enviado por Eduardo Graeff
São Paulo, terça-feira, 23 de outubro de 2012
Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros Cozinhar ajudou cérebro a se desenvolver
Comida crua não teria sido suficiente para fornecer energia ao órgão, sugere estudo de pesquisadoras da UFRJ
Análise da dieta de grandes macacos e do homem mostra dilema evolutivo entre tamanho do corpo e do encéfalo
FERNANDO MORAES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Um artigo publicado hoje na revista científica "PNAS" dá apoio à tese de que cozinhar comida foi determinante para o desenvolvimento do cérebro humano.
Duas pesquisadoras da UFRJ, Suzana Herculano-Houzel, colunista da Folha, e Karolina Fonseca-Azevedo, mostraram que uma dieta baseada em comida crua impôs limitações energéticas aos grandes primatas, criando um "dilema" para o corpo entre o crescimento da massa corporal e o do cérebro.
Isso explicaria o fato de que grandes primatas possuem corpos desproporcionalmente grandes em relação aos seus cérebros.
"Outros grupos já haviam indicado que o cérebro custa caro em termos de energia e sugerido que esse custo teria influenciado nossa história evolutiva, mas ninguém havia ainda determinado se esse custo era de fato relevante e limitante em termos fisiológicos", disse Suzana à Folha.
Ela explica que nossas habilidades mais sofisticadas não são o resultado de o "cérebro ser maior do que deveria, dado o tamanho do nosso corpo", e sim do número absoluto de neurônios -86 bilhões no cérebro humano.
Suzana já havia mostrado, em artigo científico publicado no ano passado, que acrescentar neurônios ao cérebro, aumentando o tamanho do órgão, custa ainda mais caro do que se imaginava em termos de energia.
No estudo publicado agora, as pesquisadoras desenvolveram um modelo que relaciona o número de calorias ingeridas numa dieta de comida crua à quantidade de energia necessária para o crescimento da massa corporal e do correspondente número de neurônios.
Elas conseguiram, dessa forma, estipular o número de horas que grandes primatas teriam precisado para desenvolver um corpo avantajado e um número grande de neurônios no cérebro.
Mostraram, assim, que teria sido insustentável para gorilas e orangotangos, entre outros, com as horas de alimentação de que dispõem, adquirir calorias em número suficiente para tal tarefa.
"Humanos e grandes primatas são o resultado atual de duas linhagens diferentes, com duas estratégias diferentes de investimento energético: ou um corpo enorme, às custas de abrir mão de um número maior de neurônios, ou um número grande de neurônios às custas de um corpo menor", diz ela.
"As duas estratégias são visíveis na linhagem que levou aos grandes primatas e aos primeiros exemplares do gênero Homo [o do homem]."
MUDANÇA ALIMENTAR
As conclusões do artigo fortalecem a tese do primatologista britânico Richard Wrangham, que defende que um dos momentos mais importantes da evolução humana foi a invenção da comida cozida, mais fácil de mastigar, de digerir e de ter suas calorias absorvidas.
"Sugerimos que foi por causa de uma mudança qualitativa na alimentação que a limitação energética da nossa linhagem -que já vinha investindo em mais neurônios e menos corpo- foi contornada", acrescenta Suzana.
"Além de aumentar a capacidade calórica e tornar as limitações metabólicas prévias irrelevantes, cozinhar também teria aumentado nosso tempo disponível para atividades sociais e que demandassem maior poder cognitivo", escrevem as pesquisadoras no artigo.
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