quarta-feira, 31 de julho de 2013

"DECLARAÇÃO DE CIDADÃ" enviada por Lucila Assumpção



Eu não fui às passeatas, mas assisti empolgada e fui contaminada por elas, fui inspirada por sua brisa alegre e fortalecida por sua força moral. Me senti mais viva, e de algum jeito mais confirmada no que penso, me senti esperançada. Parecia que tudo tinha sido zerado e de novo cada pessoa podia se re-posicionar com todo alcance da sua vontade e o discernimento de sua postura moral. Ninguém realmente sabe onde vamos, o que podemos alcançar, isso será decidido entre nós, pelo que queremos viver e apostar juntos. Não é mais hora de esperar por salvadores, gurus ou governos para virem solucionar todos nossos problemas, está em nossas mãos opinar e participar das decisões sobre meu local, trazer o governo para a praça, para a Polis – e melhor ainda trazer para a Ágora, aquela interface entre a cozinha e o mercado, característica da Grécia antiga, onde aconteciam as trocas, as conversas, as regulamentações, acertadas entre com(pão)nheiros, aqueles que comem o pão juntos, que são os mesmos que vão sofrer as consequências do que será decidido. Voltar ao LUGAR – ama-lo como nativo, defende-lo como residente, cuidá-lo com todo engenho e sabedoria e reverenciá-lo com um sonho consequência.
Sinto que o Brasil deveria “fechar para balanço” e cada um fazer uma revisão de vida, de objetivos e se re-posicionar numa nova ordem coletiva, nesse processo evolucionário da consciência; em cada grupo a que pertenço tenho vontade de rever os princípios, refinar o sonho e re-direcionar o propósito comum; pois é um momento onde tudo se torna mais possível. No limiar de uma nova civilização estamos entendendo mais claramente que nossa intenção, nosso sonho, nosso desejo transforma o futuro, estamos aprendendo a melhor intencionar o futuro conjunta mente.
A que tipo de coletivo queremos pertencer?
Penso que podemos nos espelhar na sabedoria ancestral da natureza onde cada célula, cada bactéria, cada ser, cada sistema e até mesmo o planeta se auto regulam, se auto governam; por muito tempo, temos relegado a outros nossas decisões e nosso destino. É ilusão achar que o governo vai ser diferente e achar soluções mais harmônicas, pois o governo é essencialmente adversarial, partidário, fiscalizador, não tem intenção de ser solidário, integrador... porque somos governados, abdicamos da tarefa de entender e decidir. O lugar não precisa de domínio, precisa de cuidados, amor, presença, suor, alegria... Certamente, devemos achar a medida certa que necessitamos de regulamentação global, que facilite a comunicação e inter-relacionamento entre as culturas mas as soluções integradoras deverão ser achadas momento a momento em cada local por aqueles que implementam e sofrem as consequências das decisões; um equilíbrio entre auto-regulação e cooperação numa ordem global que beneficie a todos.
 Somos todos aprendizes na tarefa de viver, o estado critico atual de nossa civilização demanda um salto quântico de consciência se quisermos sobreviver e alcançar todo nosso potencial. A natureza é bela, surpreendente, complexa, inclusiva, interligada, regenerativa, se transforma a cada momento, sem deixar resíduos danosos, com baixo custo, aproveitando com graça e economia tudo que chega do sol, e do cosmos, para se transformar em água, abrigo, alimento, calor, iluminação, divertimento. Precisamos tornar nossos cérebros mais parecidos com ela. Já sabemos muito sobre as partes individuais. Nosso corpo é uma comunidade, tem 50 trilhões de células (todos  cidadãos numa tremenda cooperação). Agora precisamos urgentemente desenvolver o outro hemisfério cerebral, que vê as relações entre as partes, aprecia o Todo, é mais simbólico e menos linear; é poético e  se apoia também na emoção para encontrar soluções mais harmônicas e belas, na escala e ritmo certos apropriados para o local, para as pessoas e todos os seres desse lugar. O masculino se apoia no comando e controle, é mais focado na ação, se orienta pela analise das partes, é mais competitivo e hierárquico; o feminino (até agora menos desenvolvido) é mais solidário, mais holístico, mais ligado na emoção e apreende por inspeção do todo. A mente que irá achar novas soluções deve equilibrar os dois hemisférios cerebrais e aprender a usar o enorme poder do circulo que é a base do saber sistêmico que permite perceber as partes influenciando o todo ao mesmo tempo em que o todo está influenciando as partes; a grande magia de uma estrutura não hierárquica com um centro vazio, esse espaço sagrado onde todas as visões podem se encontrar.
Quero fazer, mostrar e incentivar a arte, apostar no seu grande poder transformador, na sua capacidade de gerar conhecimento de proporcionar um entendimento sentido, isto é, incorporado pelos sentidos Acredito que a questão mais urgente é trabalhar a nossa transformação humana, e a arte é um veiculo poderoso para a transformação, em parte porque não é confrontacional, arte é sobre beleza e transparência. Penso que será através da arte em todas suas formas que iremos enriquecer o imaginário coletivo, cultivando a curiosidade para apreender outras formas de entender o mundo que aumentam nossa percepção e recriam um sonho mais complexo e integrador. E será através do ritual compartilhado em círculos, que poderemos reforçar nosso desejo, o impulso voluntário que nos mobiliza para ação.
Nós nos desenvolvemos no espelho de companheiros que são nosso grupo de referencia, cada pessoa deve se recolocar no seu grupo, onde compartilha a mesma visão, com aqueles que estão no mesmo caminho de aperfeiçoamento. Com a sensação de inclusão e pertencimento a um grupo talvez possamos vencer o medo antológico da existência, que moldou a nossa civilização; acreditar que podemos fazer diferente, apostar num design ecológico mais inteligente; alimentar uma imaginação visionaria e uma intenção disciplinada; nos permitir arriscar sem garantias, com toda nossa energia e conhecimento do momento e... oferecendo voluntariamente um esforço extra pela beleza (é meu lema)!
“O coletivo funciona num nível superior às capacidades dos indivíduos que o compõem. O indivíduo participa da genialidade do coletivo e por essa participação se torna também parte dessa genialidade – algo maior que ele mesmo – sua exaltação resulta de sua participação, não a precede nem a força. O milagre é em certo sentido interior. É o sujeito que é transformado pelo ritual e para ele, portanto o mundo se transforma de acordo”, palavras sabias da antropóloga Maya Deren.
Antes de criar as inovações precisamos criar os inovadores; criar um ambiente certo, uma cultura certa para inspirar as pessoas e potencializar sua mentes a atingir todo seu potencial. Como verdadeira ambientalista, acredito que o ambiente físico, o clima mental, a disposição psicológica e a vontade podem ser determinantes para o resultado de qualquer encontro. Toda  educação é educação ambiental. Através do que é incluído ou excluído, aprendemos se somos parte ou estamos à parte do mundo natural. A finalidade da educação não é mestria numa matéria, mas mestria sobre a própria pessoa. O assunto-matéria é apenas  a ferramenta.
Eu me comprometo e gostaria de ajudar a criar espaços de aprendizagem e fruição, em encontros coletivos, unindo o recreio e o ritual, a liberdade e o solene para refinar a visão e seduzir o futuro a ser como imaginamos. Como Idries Shah, (Perfume Scorpion), o mestre sufi, acredito que: “Você deve conceber possibilidades além do seu estado atual se quiser ser capaz de achar as capacidades para alcançá-las”.
E como David Orr, (The Nature of Design), mestre do design ecológico, acredito que: “Somos movidos a agir mais frequentemente, mais consistentemente e mais profundamente pela experiência da beleza em todas suas formas, do que por argumentos intelectuais, apelos abstratos ao dever, ou mesmo por medo”. Quantidades nos contam sobre propriedades das partes; qualidades nos contam sobre condições do todo. Buscamos refinar nossa percepção da beleza como referencia de escala e ritmo para ajudar na busca de soluções justas.
Meu objetivo nesta reserva ecológica onde moro, meu ninho de segurança, meu palco de atuação, minha oficina da imaginação e meu templo de celebração, é facilitar o refinamento da nossa percepção através da Beleza, nos ajudar a descobrir um sentido profundo através do dialogo em círculos de encontro, para que possamos elevar nosso sonho coletivo e talvez expressar junto uma visão mais significativa para o mundo atual que possa impulsionar nossas ações a fazer a coisa certa. Aumentar a fascinação sobre o que podemos fazer junto se re-encantarmos nossos sonhos para produzir uma sabedoria que ninguém em particular pode saber, mas pode somente acontecer no seio de um grupo, que se reúne ritualisticamente na tarefa de conhecer a si mesmo e fertilizar nosso sonho de humanidade.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Prova de caráter

Entrevista: François Simon, colunista gastronômico
Cíntia Bertolino  - Paladar 
Há duas semanas, o crítico francês François Simon assumiu um dos tantos riscos que surgem na vida: pediu demissão do jornal Le Figaro. Por 26 anos, ele comandou a crítica gastronômica do jornal, sem nunca aparecer em fotos, e angariou a reputação de crítico mais influente do mundo.
Impecavelmente bem escritas, ora impiedosas, suas críticas têm a capacidade de demolir ou elevar um restaurante (não foi à toa que Simon serviu de inspiração para Anton Ego, o crítico mordaz do filme Ratatouille).Afeito à polêmicas, ele vem criticando há anos os critérios do Guia Michelin e os modismos gastronômicos: “Cozinha é como rock’n’roll, um chef lança um hit que será copiado até a moda mudar”, diz. Longe do Figaro, Simon pretende se dedicar mais à literatura, sem deixar de lado a comida. “Estou com 60 anos. Existe a crença de que quando alguém chega a essa idade, ocorra um renascimento. Estou me sentindo assim”, afirma. Ele falou com o Paladar de Gênova, Itália, pouco antes de embarcar em uma viagem de barco pelo Mediterrâneo.
Por que deixar o Le Figaro?
Precisei de coragem, mas sentia que meu tempo lá já tinha passado. Tinha que mudar. Afinal, 26 anos não é pouca coisa. O trabalho continua ótimo, perfeito, na verdade. Mas sentia que o charme havia diminuído consideravelmente. Entende o que digo?
Não, explique melhor.
Quando falo de charme, falo de encantamento, excitação. Claro que também havia um componente de degaste natural. Então, optei por partir. Ainda que esse continue sendo o melhor emprego do mundo.
Sua saída pode ser lida como um fastio de restaurantes?
Não estou cansando de restaurantes. Mas restaurantes não são minha paixão. Não me importam verdadeiramente. O mesmo vale para comida.
Curioso, vindo de um dos críticos gastronômicos mais influentes do mundo…
Mas não há contradição. A paixão me tornaria fraco. É preciso certo distanciamento para poder falar sobre comida com tranquilidade. O mesmo vale para chefs. Não é preciso ser amigo de cozinheiros.
A crítica de restaurante continua relevante?
Acho que a crítica está muito amiga dos chefs. E o reflexo está no prato: a comida não anda lá muito interessante. Boas críticas ajudam a construir bons chefs. Hoje, no geral, a crítica está muito gentil, muito próxima da cozinha. Chefs não precisam de amigos para progredir e crescer, precisam de um olhar frio e crítico que lhes diga objetivamente: “Desculpe-me, esse prato pode até ser bonito, mas não é nada bom”.
Qual seu balanço desses anos todos no Figaro?
Foi realmente fantástico, um emprego formidável, fui para a China, escrevi sobre o nada. Em suma: fazia o que queria, ia para onde queria. Era tratado como uma princesa. Mas, você sabe, princesas também costumam se entediar espetacularmente. E agora que estou envelhecendo, não quero perder o charme, não quero ficar aborrecido, quero voltar a assumir riscos.
Sair da zona de conforto?
Sim, e tem funcionado. Foi uma temeridade tomar essa decisão, mas acho que era o momento de ser humilde; de voltar a bater em portas, esperar, ansiosamente, que o telefone toque. Quero voltar a escrever com energia renovada, com mais paixão.
Foi difícil tomar essa decisão?
Senti que era algo que deveria fazer. Durante muito tempo fui um homem prudente. Fui bem-sucedido em diversas coisas, mas tenho alguns arrependimentos. Um deles é o de ter sido cauteloso demais em algumas ocasiões em que deveria ter sido mais ousado.
Quais são seus planos?
Acabei de acertar uma participação em um programa de TV muito popular, Paris Dernière (do canal Paris Première, criado e produzido por Thierry Ardisson, no ar desde 1995). Será uma atração semanal de uma hora. Meu trabalho será rodar Paris de carro, de uma festa a outra, encontrar e entrevistar escritores, artistas, um bocado de gente diferente. Estou bem empolgado.
Fica até quando no Figaro?
É provável que eu saia antes do fim do ano, porque já recebi propostas da Vanity Fair e da revista semanal Le Point. Ambas as publicações me interessam. Quando tomei essa decisão, estava bem assustado, foi um grande risco para mim. Fiquei preocupado em não encontrar algo para fazer. Queria deixar o trabalho de modo tranquilo, suavemente. Felizmente, agora sinto que posso.
Como foi a repercussão?
Começaram a achar que estava ficando louco. O que agora faz de mim uma pessoa bem excitante (risos). Afinal, você tem 60 anos, um bom emprego, um bom salário, tem prestígio… Não precisa correr risco algum. Meu trabalho tem tantas vantagens que a decisão sábia teria sido continuar. Mas continuar não teria me deixado feliz.