quinta-feira, 4 de julho de 2013

Prova de caráter

Entrevista: François Simon, colunista gastronômico
Cíntia Bertolino  - Paladar 
Há duas semanas, o crítico francês François Simon assumiu um dos tantos riscos que surgem na vida: pediu demissão do jornal Le Figaro. Por 26 anos, ele comandou a crítica gastronômica do jornal, sem nunca aparecer em fotos, e angariou a reputação de crítico mais influente do mundo.
Impecavelmente bem escritas, ora impiedosas, suas críticas têm a capacidade de demolir ou elevar um restaurante (não foi à toa que Simon serviu de inspiração para Anton Ego, o crítico mordaz do filme Ratatouille).Afeito à polêmicas, ele vem criticando há anos os critérios do Guia Michelin e os modismos gastronômicos: “Cozinha é como rock’n’roll, um chef lança um hit que será copiado até a moda mudar”, diz. Longe do Figaro, Simon pretende se dedicar mais à literatura, sem deixar de lado a comida. “Estou com 60 anos. Existe a crença de que quando alguém chega a essa idade, ocorra um renascimento. Estou me sentindo assim”, afirma. Ele falou com o Paladar de Gênova, Itália, pouco antes de embarcar em uma viagem de barco pelo Mediterrâneo.
Por que deixar o Le Figaro?
Precisei de coragem, mas sentia que meu tempo lá já tinha passado. Tinha que mudar. Afinal, 26 anos não é pouca coisa. O trabalho continua ótimo, perfeito, na verdade. Mas sentia que o charme havia diminuído consideravelmente. Entende o que digo?
Não, explique melhor.
Quando falo de charme, falo de encantamento, excitação. Claro que também havia um componente de degaste natural. Então, optei por partir. Ainda que esse continue sendo o melhor emprego do mundo.
Sua saída pode ser lida como um fastio de restaurantes?
Não estou cansando de restaurantes. Mas restaurantes não são minha paixão. Não me importam verdadeiramente. O mesmo vale para comida.
Curioso, vindo de um dos críticos gastronômicos mais influentes do mundo…
Mas não há contradição. A paixão me tornaria fraco. É preciso certo distanciamento para poder falar sobre comida com tranquilidade. O mesmo vale para chefs. Não é preciso ser amigo de cozinheiros.
A crítica de restaurante continua relevante?
Acho que a crítica está muito amiga dos chefs. E o reflexo está no prato: a comida não anda lá muito interessante. Boas críticas ajudam a construir bons chefs. Hoje, no geral, a crítica está muito gentil, muito próxima da cozinha. Chefs não precisam de amigos para progredir e crescer, precisam de um olhar frio e crítico que lhes diga objetivamente: “Desculpe-me, esse prato pode até ser bonito, mas não é nada bom”.
Qual seu balanço desses anos todos no Figaro?
Foi realmente fantástico, um emprego formidável, fui para a China, escrevi sobre o nada. Em suma: fazia o que queria, ia para onde queria. Era tratado como uma princesa. Mas, você sabe, princesas também costumam se entediar espetacularmente. E agora que estou envelhecendo, não quero perder o charme, não quero ficar aborrecido, quero voltar a assumir riscos.
Sair da zona de conforto?
Sim, e tem funcionado. Foi uma temeridade tomar essa decisão, mas acho que era o momento de ser humilde; de voltar a bater em portas, esperar, ansiosamente, que o telefone toque. Quero voltar a escrever com energia renovada, com mais paixão.
Foi difícil tomar essa decisão?
Senti que era algo que deveria fazer. Durante muito tempo fui um homem prudente. Fui bem-sucedido em diversas coisas, mas tenho alguns arrependimentos. Um deles é o de ter sido cauteloso demais em algumas ocasiões em que deveria ter sido mais ousado.
Quais são seus planos?
Acabei de acertar uma participação em um programa de TV muito popular, Paris Dernière (do canal Paris Première, criado e produzido por Thierry Ardisson, no ar desde 1995). Será uma atração semanal de uma hora. Meu trabalho será rodar Paris de carro, de uma festa a outra, encontrar e entrevistar escritores, artistas, um bocado de gente diferente. Estou bem empolgado.
Fica até quando no Figaro?
É provável que eu saia antes do fim do ano, porque já recebi propostas da Vanity Fair e da revista semanal Le Point. Ambas as publicações me interessam. Quando tomei essa decisão, estava bem assustado, foi um grande risco para mim. Fiquei preocupado em não encontrar algo para fazer. Queria deixar o trabalho de modo tranquilo, suavemente. Felizmente, agora sinto que posso.
Como foi a repercussão?
Começaram a achar que estava ficando louco. O que agora faz de mim uma pessoa bem excitante (risos). Afinal, você tem 60 anos, um bom emprego, um bom salário, tem prestígio… Não precisa correr risco algum. Meu trabalho tem tantas vantagens que a decisão sábia teria sido continuar. Mas continuar não teria me deixado feliz.

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