Teorias, pesquisas e reflexões sobre a gastronomia brasileira, por Quentin Geenen de Saint Maur
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
Cassoulet du Boulanger
“Cassoulet”
Seguir a trilha até a origem desse prato nos leva ao período medieval na Europa.
No manuscrito “Le Viander”,publicado sob o pseudônimo Taillevent pelo Chef Guillaume Tirel, que atuou em várias casas reais durante seis décadas no século XIV, há uma descrição de um prato que ele classifica como um ragoût de porco, carneiro e favas.
Alguns historiadores vão mais longe nas suas pesquisas: assinalam a presença de uma receita a base de favas brancas, carneiro, legumes e especiarias numa obra escrita por Mohamed de Bagdá em 1226, dando assim uma origem moura ao prato.
A introdução do primeiro plantio de favas brancas no sul da França se deve à influência da cultura árabe no século VII.
A lenda conta que no século XVI, durante a guerra de 100 anos, na região do Languedoc, a invasão da cidade de Castelnaudary pelo exército inglês era iminente e a população local, ameaçada pelo espectro da fome, reuniu num grande caldeirão assentado em cima de uma fogueira torresmo, banha, carne de porco, lingüiças, favas e legumes para alimentar e revigorar seus soldados.
A refeição deu tão certo que entrou para a história e a tropa dos inimigos foi rechaçada até o norte do país, nas margens do Canal da Mancha.
Nessa época o feijão branco era desconhecido na Europa. Originário do México, Peru e Colômbia, seu cultivo se difundiu na França depois da descoberta das Américas. Em 1536, Alexandre de Médicis deu um saco de feijão de presente a sua irmã Catarina por ocasião do seu casamento com o futuro rei Henrique II.
Foi a partir do século XVII que as tradicionais favas da receita foram substituídas pelos feijões brancos.
No pequeno vilarejo de Issel, localizado oito quilômetros ao norte de Castelnaudary, os ceramistas aproveitarem a fama do prato para desenvolver, entre os vários utensílios domésticos da época, uma “cassole” em barro: um recipiente aberto e profundo que até hoje é utilizado para cozinhar o feijão branco e seus “pertences”, acrescentando-lhe um toque particular. A partir do século XVIII o etoufet ou ragoût de feijão branco passa a ser chamado cassoulet e hoje integra o patrimônio cultural da cidade de Castelnaudary.
O cozimento na panela de barro agrega um sabor especial à receita. É fácil entender isso quando se compara o sabor de uma moqueca preparada na autêntica paneleira de Goiabeiras do Espírito Santo e numa outra panela qualquer.
Uma tradição da região do Languedoc tenta se manter viva até hoje e se difundir pelas diversas regiões da Europa. A finalização do prato com feijão branco, tomates, cenouras, confit de pato, lingüiças, costelas de porco e um bom tempero se faz com farinha de rosca salpicado na superfície da travessa para depois ser levada ao forno dos padeiros e acabar seu cozimento, assim nasceu o famoso cassoulet du boulanger.
No Brasil, o primeiro grande bufê montado com cassoulet du boulanger e foi preparado em São Paulo pelo Chef Christian Formon e servido para mais de duzentas pessoas na comemoração de um aniversário no palco do extinto Teatro Colômbia, em 1990.
Em Brasília, os leitores podem experimentar essa guloseima diferenciada aos sábados na “Tradition”.
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