05/12/09
Quentin, o modernizador paulistano
A gastronomia é uma disciplina sem memória sistematizada. Não raro falo com chefs das novas gerações que não sabem quem é Quentin Greenen de Saint Maur. Nem ouviram falar do seu revolucionário restaurante L'Arnaque, que imperou durante anos na rua Oscar Freire.
Mas estou certo de que ele foi tão ou mais importante do que o Laurent e o Claude Troisgros na definição da nova cena gastronômica paulistana dos anos 1980. Claude e Laurent surgiram no Rio, ancorados na hotelaria turística carioca; Quentin, que é belga, veio diretamente para São Paulo. A nouvelle cuisine chegou à cidade por suas mãos. Até então, os restaurantes franceses paulistanos eram muito caretas. Caros e caretas.
O L´Arnaque, assim como o Danton, eram os únicos “franceses” que fugiam ao modelão convencional. O que os particularizava era a inovação, aberta pela nouvelle cuisine e contrária a uma tradição já bastante desgastada que ainda pagava o preço da dificuldade de se obter bons produtos importados.
Quentin mergulhou nos produtos nacionais – como era do feitio dos franceses renovados – e, em relação aos produtos clássicos da culinária francesa, tratou de incentivar a sua produção por aqui. Ele sempre me falava com entusiasmo de produtores que começavam a experimentar o cultivo de cogumelos, de endívia, e a produção de foie gras.
Do seu restaurante, muitos pratos ficaram na memória dos freqüentadores. Tinha um excelente confit de canard. E uma sobremesa que era o desejo recôndito de todo gourmet: uma simples sopa de morango com sorvete de baunilha e zests de casca de limão ou laranja.
Quando o L´Arnaque fechou, Quentin saiu de cena porque se mudou para Brasília, onde é consultor de gastronomia.
Ele impactou a literatura culinária em 2002, com o livro Muito Prazer, Brasil – Variações Contemporâneas da Cozinha Regional Brasileira onde registra seus experimentos com ingredientes brasileiros em 60 receitas. Resenhei este livro na Trópico e depois inclui no Estrelas no céu da boca (2006), estabelecendo o paralelo com o esforço de inovação que se encontra no livro do Atala, Por uma gastronomia brasileira.
O livro do Quentin anda esgotado, o que é uma pena. Os estudantes de gastronomia deviam procurar nos sebos ou fazer cópias, pois é um exemplo impecável de como se pode ser moderno, criativo, sem perder as raízes nas referencias populares. Ao contrário da moda atual de pratos rebarbativos, às vezes com quatro ou cinco ingredientes, Quentin foi econômico e essencial nas suas receitas.
Em 2005 ele coordenou a ação de alguns chefs de Brasília no evento Mercado Floresta na Oca do Ibirapuera. De lá para cá, seu compromisso com a biodiversidade e a sustentabilidade são claros e inequívocos em tudo o que faz.
Por que estou escrevendo tudo isso? Porque o Quentin vem ai, para participar do Entre Estantes & Panelas de dezembro e estará na Livraria Cultura no dia 07, a partir das 18 horas. Não se deve perder o bate-papo com ele.
Postado por Carlos Dória
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