Delícia antiga
Xico Graziano
As ceias de Natal, embora mais recheadas, parecem perder qualidade a cada comemoração. Algumas frutas, certas carnes, muitos doces, atrativos na aparência, levados à boca desapontam o paladar. Mais guloseimas, menos sabor. Fenômeno curioso.
Há tempos se discute a qualidade biológica dos alimentos entre os estudiosos da agricultura biológica ou orgânica. Claude Albert, em 1970, apontava o problema do acúmulo de nitratos nas hortaliças e frutas, advindo de fortes adubações nitrogenadas no solo. Em seu livro L"Agriculture Biologique, o ecologista francês relata casos de intoxicação por nitrato em crianças, na Alemanha, alimentadas com purê de espinafre.
Antes dele, o bioquímico André Voisin, conhecido pelo sistema de pastoreio de gado que leva seu nome, afirmava ser a moderna fertilização, baseada em produtos químicos solúveis, fonte de desequilíbrios na composição dos alimentos. A adubação orgânica, ao contrário, ofereceria às plantas sais minerais e elementos nutritivos de forma harmônica. Antiga teoria.
Existe outra explicação. Produtos vistosos e graúdos, especialmente frutas e legumes, normalmente apresentam grande quantidade de água em sua composição, tornando-se mais túrgidos. Isso dilui e rouba sabor do alimento. Elevados rendimentos por área, portanto, promovem volume e peso, mas nem sempre garantem qualidade final da produção. Boniteza engana.
Sistemas intensivos de criação de animais, aqueles onde os bichos permanecem confinados em apertadas baias, superalimentados com ração, também podem afetar a qualidade da carne. Doenças musculares degenerativas, as miopatias metabólicas, descolorem a carne após o abate, trazendo flacidez com exsudação de água. Uma espécie de apodrecimento.
Nada se explica, porém, sem considerar o processo do melhoramento genético. Por meio dele os pesquisadores agrícolas aprimoram espécies e criam variedades normalmente mais produtivas, interessantes para o consumidor. Desde que as gôndolas no supermercado passaram a dominar as vendas, o aspecto visual, a beleza externa, ultrapassou a qualidade intrínseca.
Por essas e outras, os moranguinhos hoje em dia, lindos na vermelhidão, frustram no gosto. Quase sempre a bocada se arrepende pela acidez da frutinha. Os morangos de outrora, doces e macios, ingeriam-se sem açúcar ou mel na tigela. Suas plantas, porém, eram extremamente suscetíveis às pragas e doenças e por isso novas variedades, mais resistentes, sobrevieram da pesquisa para ajudar a produção. Resultado: boas no canteiro da roça, insossas na boca da gente.
Maçãs farinhentas, pêssegos lindos por fora e sem graça por dentro, mexericas sem caldo, escolha sua fruta predileta e verifique como anda seu sabor. Cuidado maior com as frutas importadas, mais caras e frequentemente enganadoras. Há exceções, claro, sempre. Confira a delícia da manga palmer, as fantásticas uvas sem sementes, o perfume da atemóia. Nem tudo está perdido!
Interessante particularidade acomete as frutas. Elas, em geral, amadurecem após serem colhidas. Significa que podem ser apanhadas do pé ainda verdolengas para, depois, chegarem ao consumo no ponto ideal. Assim ocorre, por exemplo, com o mamão, a goiaba, a manga. Mas existe um grupo de frutas que, ao serem colhidas, cessam seu amadurecimento. Nada as tornará apetitosas se no momento da colheita estiverem fora do ponto. Melão, uva e abacaxi apresentam tal característica. Aqui mora um problema.
O caso do melão é sintomático. Como os maiores campos de cultivo se encontram no distante Rio Grande do Norte, as frutas colhem-se ainda verdes - e duras -, capazes de suportar a longa viagem até os centros consumidores do Sudeste. Colhidos maduros - e moles -, os melões poderiam estragar-se, por amassamento, na carga do caminhão. Os comerciantes, portanto, preferem em sua logística garantir o aspecto exterior a assegurar sua doçura. Resultado: anda difícil achar um melão sem gosto de isopor.
Como se vê, vários fatores, próprios da agricultura comercial e do processo de industrialização, acabaram roubando parte da qualidade biológica dos alimentos, afetando seu paladar. Trata-se de uma característica da moderna sociedade. Acontece o mesmo com os doces: as grandes fábricas jamais conseguem reproduzir a gostosura dos produtos artesanais. Basta provar um doce caseiro como aqueles de Tatuí. Ninguém os troca por nada!
Frango caipira com polenta, então, nem se fala. Os galináceos de última geração, grandalhões e molengos, custam barato e chegam rápido à mesa das famílias. Assados naquelas televisões de cachorro, até que pegam um gostinho. Mas sua carne dificilmente se presta a uma saborosa galinhada daquelas de encher a boca. O frango amoleceu na granja, mas perdeu sabor na mesa. Isso pra não lembrar o peito de peru, maior na forma assada, porém quase incomível no prato. Reparem: até o cheiro verde perdeu seu odor no tempero!
Fruto da necessidade da produção em larga escala, visando a atender aos crescentes mercados citadinos, os produtos da mesa ganharam produtividade e perderam qualidade. Transportados, armazenados, pré-cozidos, embutidos, encheram-se de aromatizantes, acidulantes, estabilizantes, amaciantes, sabe-se lá mais o que mais. Viraram gororobas insaturadas, obesidade em alta.
As grandes empresas do setor alimentar afirmam assegurar a biossegurança daquilo que processam e vendem. Disso não se duvida. É bem verdade que muita coisa artesanal carrega péssimos atributos. Por outro lado, seguro para o consumo não significa gostoso ao paladar. Puxa vida, anda difícil encontrar uma ceia de Natal apetitosa como antigamente. Saudade da goiabada cascão.
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