sexta-feira, 8 de março de 2013

Variação sobre o tema "Carne Seca" por Dias Lopes

Por cima da carne-seca


  • 6 de março de 2013|
  •  Redação Paladar

Por Dias Lopes

Há no Brasil uma cozinha à base de charque, carne de sol ou carne-seca, que não tem merecido a devida atenção dos estudiosos. Seus numerosos pratos foram criados em todo o território nacional. Charque, carne de sol e carne-seca são produtos semelhantes. Diferem apenas na técnica de elaboração, textura e umidade. O charque é feito com mantas de carne bovina, raramente ovina, muitas vezes ponta de agulha ou do dianteiro. Cobertas de sal, ficam em ambiente protegido e ventilado para perder o suco. Passados dois ou três dias, vão para o sol.


A carne de sol, também conhecida como carne de vento e do sertão, provém tanto da carne bovina como da caprina. Usa-se toda a carcaça do animal, desossada e dividida em porções. Ligeiramente salgada, é curtida em ambiente coberto e bem ventilado. A secagem é gradativa e a desidratação, parcial. Já a carne-seca, também chamada no Nordeste de carne de vento, do sertão, do Ceará e jabá, leva mais sal. Predominantemente bovina, é cortada em mantas que são empilhadas em lugares secos. O processo termina com a carne exposta ao sol, em varais.

+ RECEITA: Chatasca, pela chef Ana Luiza Trajano

Os pratos de charque, carne de sol ou carne-seca de maior sucesso no Brasil são o arroz de carreteiro e o charque acebolado do Sul; o bolinho de carne-seca e mandioca, a roupa-velha e a carne-seca ensopada com batatas do Sudeste; o escondidinho, o arrumadinho e o charque com macaxeira do Nordeste. Menos conhecido é a chatasca, originada no Pampa, a região que compreende a Campanha gaúcha, o Uruguai e parte da Argentina. No lado brasileiro, é um desfiado de charque cozido, refogado com cebola e alho, temperado com pimenta-vermelha, tomate e salsinha, misturado com farinha de mandioca e coberto por tiras de banana frita. A chatasca argentina leva cecina (tiras de carne-seca, sem sal) aferventada ou cozida.



Salga. Carne de sol produzida no restaurante Mocotó, em São Paulo. FOTO: Felipe Rau/Estadão

A carne salgada e desidratada foi o primeiro alimento industrializado no Brasil. Seu preparo começou no Nordeste, no começo do século 18. A cidade de Aracari, no Ceará, reivindica o pioneirismo. A produção começou depois que os colonizadores portugueses implantaram salinas na região. Usando a técnica do bacalhau, eles salgaram e desidrataram a carne com dupla finalidade. Primeiro, porque os animais perdiam peso e se desvalorizavam ao serem conduzidos por terra aos mercados consumidores; depois, pelo fato de a carne salgada e desidratada durar meses sem estragar.

O Ceará tinha um grande rebanho bovino, dizimado pela “seca dos três sete”, que começou em 1777 e se prolongou até 1779. Fugindo dela, o português José Pinto Martins, grande produtor de carne salgada e desidratada, foi parar no Rio Grande do Sul, onde o rebanho era abundante. Em 1780, fixou-se na atual Pelotas. Ali instalou uma charqueada. É considerado o pioneiro de uma atividade que alcançou enorme desenvolvimento até a abolição da escravatura, pois dependia totalmente do trabalho escravo.

A palavra charque veio do quíchua charki ou do araucano charqui (carne salgada), línguas pré-colombianas da América do Sul. Ultimamente, a família ganhou outra variedade: o jerked beef. Preparado com o dianteiro ou traseiro do boi, assemelha-se ao charque.

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