sexta-feira, 17 de julho de 2009

ABAGA Centro Oeste e Tocantins


Publicado na Revista Roteiro de Brasília

A Associação Brasileira da Alta Gastronomia nasceu em São Paulo em 1995. Foi fundada por quatro Chefs europeus e um argentino que queriam dar visibilidade à gastronomia e seus porta-bandeiras, os Chefs, no Brasil.
É uma entidade séria, sem fins comerciais, dedicada a congregar os Chefs com a troca de experiências vividas e conhecimentos na área, difundir e valorizar a alta gastronomia brasileira no país e marcar sua presença no mundo.
Sua pauta de atuação é ampla:
- promover eventos como palestras, workshops e feiras, com ênfase na troca de saberes e costumes próprios a cada cultura regional e na valorização da qualidade dos produtos alimentícios;
- estimular uma política educacional focada na formação técnica e na cultura geral dos estudantes, para dar a eles uma base sólida e uma padronização dos conhecimentos das técnicas de preparos, de linguagem culinária, consciência social e responsabilidade sanitária;
- facilitar a atualização dos profissionais por aulas e intercâmbio entre Chefs do Brasil e do mundo.
No inicio a entidade desbravou um mercado ainda adormecido e bem menos consciente da importância da arte da gastronomia na cultura brasileira.
A culinária se resumia a receitas e dicas, fazia parte de matérias para revistas femininas e na TV, como o programa diário da ilustre Ofélia Anunciato.
Verdadeiros pioneiros, os membros e muitos outros Chefs entraram num corpo a corpo para conquistar o mercado e dar destaque à profissão com apoio da mídia e dos críticos de gastronomia: Saul Galvão e Paulo Cotrim no Jornal da Tarde, Sivio Lancelotti na Folha de São Paulo, Celso Nucci na revista Veja e no Guia Quatro Rodas, Giovani de Bourbon des Deux-Siciles na única revista especializada em gastronomia do país, a Gourmet, na época dirigida por Luis Carta, editor da revista Vogue.
Nos anos 80 o Hotel Maksoud inaugurou seu empreendimento com um conceito inovador de arquitetura e serviços oferecendo uma variedade de cozinhas do mundo: um restaurante francês, La Cuisine du Soleil, um restaurante nórdico, Vikings, e um restaurante japonês.
Na época os Chefs franceses começavam a trabalhar em restaurantes estabelecidos no Rio de Janeiro e logo perceberam que São Paulo oferecia uma clientela empreendedora à procura de lazer cotidiano como os prazeres da boa mesa. Houve uma migração dos Chefs que colocou São Paulo na posição de capital brasileira da Gastronomia.
O fidalgo Jorge Monti de Valsassina, dono e Chef do restaurante Refugio del Viejo Conde, assumiu a presidência da ABAGA em 1999, carregou o “piano” nas costas e partiu para a revitalização e o desenvolvimento da instituição até julho deste ano.
O fruto da sua ação é visível. Um dos seus grandes méritos é o de ter conseguido reconhecer a associação pela WACS - The World Association of Chefs Societies, fundada em 1928 na universidade da Sorbonne, em Paris. Hoje ABAGA é a representante oficial da WACS para América do Sul.
O novo presidente, o Chef João Leme, vencedor do Global Chefs Brasil 2007 está iniciando seu mandato focando na descentralização para agregar a diversidade brasileira na associação com a nomeação de diretores para diversas regiões do país.
Em Brasília está sendo criado um grupo de conselheiros por Chefs nas áreas da gastronomia, Boulanger, Chocolatier, Glacier e Pâtissier para debater o rumo da gastronomia na região Centro Oeste.
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sábado, 11 de julho de 2009

Primeira refeição



Publicado na Revista Roteiro de Brasília

Acabo de sair da maternidade. O pequeno Eki, novo viajante do nosso mundo, respirava o mesmo ar que seu pai e sua mãe, sua tia e seus avós. Cena comovente da única ocasião em que é um prazer ir a um hospital.

Vi a jovem mãe oferecer ao seu filho o colostro materno para tranqüilizar seu estranhamento ao misterioso ambiente. A primeira refeição na temperatura certa e a osmose vital passavam ao recém-nascido, com toda suavidade da pele, os ingredientes balanceados para sua proteção e o encaminhamento do seu desenvolvimento.

Lembrei das receitas de parteiras para ajudar a amamentadora a ter mais leite. Beber cerveja cor mulata âmbar, trazendo o sabor caramelado do malte na sua roupagem e coberta com uma espuma tão densa que pode ser comida de colher. Não comer feijão, cebola, couve, evitar o café e refrigerantes durante o primeiro mês para não atormentar o pequeno com cólicas depois das mamadas.

Um quadro gustativo deslizou na memória, trazendo à tona as variedades de manteiga artesanal feitas nas fazendas da minha infância, com suas mudanças de sabores e de cores: amarelada durante a primavera até o fim do verão, esbranquiçada até ficar lívida no inverno. Tudo diretamente ligado à variedade das pastagens, explicava o leiteiro aos visitantes. O sabor, cheiro e textura do produto seguiam o ciclo das estações. As embalagens de papel manteiga com o carimbo da estância diferenciavam a manteiga emoldurada a mão e feita com leite de vaca criada no pasto, das manteigas industriais. Como marketing, o leiteiro se gabava de conhecer todos os rebanhos das fazendas vizinhas e seus proprietários, para oferecer à freguesia um produto higiênico, saudável e de qualidade. Afinal, dizia, ele tinha que zelar pessoalmente pela saúde dos seus clientes.

Isso me fez pensar que as mães que alimentam seus filhos no peito podem abrir para eles o mundo dos sabores, ainda durante a lactação, com uma alimentação saudável e diversificada, evitando recorrer ao leite morto, em pó, aditivado com melamina.

Desfilaram na minha mente pratos que ajudariam a animar a mãe e preparar os filhos para sua primeira incursão no mundo da gastronomia.

Acordar com vitaminas de frutas orgânicas e aveia, um bom pão levemente torrado com uma fatia de queijo branco e um mel de engenho ou uma boa goiabada.

Almoçar um nhoque de batata doce com manteiga de garrafa e sálvia.

Ou um capão de milho banhado a fogo baixo até se desmanchar entre abóboras picadas, abobrinhas, chuchu, banana da terra, temperado na hora de servir com salsinha fresquinha picada e o suco de um limão, servido em prato fundo para comer de colher.

Ou um tucunaré de olho vivo recheado com erva doce e sua penugem picada miudinha, embrulhado no papel manteiga lacrado com clara de ovo e assado meia hora no forno aquecido acompanhado de um pirão de leite de mandioca fresca.

De noite, uma sopa de agrião cremosa para mergulhar um belo pedaço de pão ou uma massa fresca com manteiga de pequi.

Nós, adultos que gostamos de cozinhar e criar, já sabemos que o leite e seus derivados ajudam a ampliar, diluir e fixar os perfumes, as essências e os sabores na hora de incorporar eles a uma receita.

Leite materno, a nossa primeira refeição, irriga no seu leito ternura, aconchego, amor, paz, calor, cuidado, segurança, força. Todas as virtudes da boa alimentação.
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segunda-feira, 6 de julho de 2009

São Paulo Capital da Gastronomia.

Publicado na Revista Roteiro de Brasília


Muitos anos se passaram da última vez que fui bater perna na Fispal (Feira Internacional para a Indústria de Alimentos e Bebidas de São Paulo) e posso dizer que ela continua muito bem organizada, profissional e variada.

Procurei um piano, nome usado para o fogão na gíria culinária, com olhar ecológico.
Não encontrei.

Lembrei do fogão a lenha da Fazenda Montevidéu em Araras, que aproveitava a fonte do calor das brasas que esquentavam uma serpentina para alimentar as torneiras da cozinha com água quente.

Em SP aproveitei para mostrar alguns restaurantes representativos das várias tendências gastronômicas da cidade ao filho que me acompanhava.

Fomos almoçar no restaurante Emiliano uma salada com mâche, vagem al dente, codorna defumada desfiada e trufas, uma costeleta de cordeiro de leite que derretia na boca, assada no ponto certo, preparado pelo Chef Jose Carlos Baratino.
Deixamos o belo espaço do Hotel para ir comer como sobremesa os deliciosos macarons no Douce France. O dono, Fabrice Le Nud, estava em Cuba e seu segundo Pâtissier Thiago, formado por ele, nos explicou a filosofia da casa. Todos os aprendizes têm que passar por cada atelier, Pâtissier, Glacier, Chocolatier, e só após dominar as técnicas e o conhecimento da especialidade eles estão aptos a passar para outro departamento.

À noite fomos jantar no Sal Gastronomia, restaurante escondido num pátio interno na rua Minas Gerais. O Chef Henrique Fogaça pilota a cozinha e sua mulher Fernanda, sorriso iluminado, recebe os clientes. Pedimos para o Chef preparar um cardápio com toda liberdade. Para abrir o apetite, batata rústica, crocantes por fora e inacreditavelmente leve e airada por dentro, seguida por um tipo de Bruscheta de Polvo, fatias de polvo deitadas sobre um misto de folhas da horta. Como prato principal um copa lombo com quiabo e tomate salteados acompanhado de uma farofa de maça verde, de sobremesa um creme brulé de milho. Dava para perceber que o Chef estava inspirado e de bem com a vida.

No dia seguinte experimentamos o tradicional hambúrguer do Ritz, casa aberta desde o inicio dos anos 80, à noite fomos reverenciar Marie, a segunda geração que dirige o restaurante La Casserole no Largo do Arouche. Foi o primeiro restaurante que conheci quando cheguei a São Paulo. Uma brisa de rejuvenescimento foi dada ao espaço e ao cardápio sem tirar as características “Vieille France” legadas pelos fundadores Tuna e Roger. Abrir um restaurante é complexo, mas herdar uma tradição e mantê-la se adequando a nova era é bem mais difícil.

No último dia passamos pelo Mercado Municipal para comer no balcão de uma peixaria as ostras vivas de Florianópolis, depois fomos até o Santa Luzia, templo dos ingredientes e produtos ligada aos sabores, um La Palma ao tamanho de São Paulo.
De lá andamos até a feira livre da Rua Barão de Capanema, uma explosão de alegria, cor e variedades que se estica por quatro quarteirões.

Na esquina dessa rua, o novo restaurante Dalva e Dito assinado pelo Chef Alex Atala. Com uma proposta ousada, muito gosto e qualidade, ele apresenta uma variação do PF como prato do dia: arroz, dois tipos de feijão, couve picada, farofa de pão tostada e temperada, dois tipos de molhos, uma variedade de pimentas caseiras em conserva, acompanha um rodízio de frango, filet mignon assados numa Rotissoire e um pernil de porco saboroso e úmido.

Na São Paulo de hoje, vc tem muito a descobrir e saborear na diversidade da gastronomia.
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domingo, 5 de julho de 2009

Chef visita Brasília


Publicado na Revista Roteiro de Brasília

- Estou em Brasília, vim visitar a família da minha mulher, vamos nos encontrar?
- Com muito prazer, nos encontramos na Boulangerie, quero te apresentar o tordu, um pão sem levedura e de fermentação lenta que não deve ter em SP.
Zé Carlos Baratino é um jovem Chef, descobri ele há quatro anos quando pesquisava cozinheiros que tinham potencial para participar de um jantar oferecido para o corpo diplomático em Brasília na residência do embaixador da UE onde o menu apresentava uma variedade de ingredientes provenientes dos biomas brasileiros. Ele trabalhava na cozinha de um hotel dos Jardins sobre a batuta do Chef Francesco Carli do Rio de Janeiro.
Logo que cheguei ao ponto de encontro, providenciei um tordu e manteiga.Veio a turma: ele e a mulher, que trabalha numa rede de hotéis internacionais, acompanhado de três alunos da universidade de Brasília.
Após as apresentações, rompemos o pão e a formalidade.Baratino pediu dicas de pontos interessantes, na área da gastronomia da Capital, que trabalham com produtos do Cerrado.
Foi um branco total, o que sugerir para um jovem Chef de destaque em SP?Chamei o padeiro para se juntar a nós e me ajudar. Ele chegou sorrindo com uma amostra das suas criações européias, tortinhas de pêra, bomba de café e de doce de leite, croissants e vários pães.

No mundo da gastronomia, “generosidade” e “compartilhar” são uma das chaves do sucesso.

Pegamos o suplemento de um jornal da cidade, que apresentava um festival de gastronomia “Sabores do Brasil” com as seguintes sugestões: Pene com creme de Brie e Salmão, Risoto de Maçã Verde e Nozes, Prime de Frango a Provençal, Goulash com Knoedel, Ravióli de Lagosta com Frutas Vermelhas, Bacalhau à Dom etc.
Ficamos perplexos.

Lembrei-me do importante trabalho da Rita Medeiros, que está divulgando e resgatando sabores das frutas silvestres do Cerrado, pouco conhecidas aqui e no Brasil, nos seus sorbets e sorvetes. Lá podemos descobrir o Araticum, a Cagaita, o Pequi, a Mangaba, o Caju do Cerrado, a Jabuticaba de Corumbá, o Buriti e outras variedades, dependendo da estação. A ultima criação dela é um sorvete de Queijo da Canastra, do estado de Minas, que é um verdadeiro espetáculo para o paladar.

Procurando dar dicas que permitissem ampliar o descobrimento de sabores da região, sugeri que pegassem o carro e fossem até a Fazenda Babilônia, perto de Pirenópolis, para tomar o café da Telma e degustar seus 22 pratos. Ela recebe os visitantes com um passeio pelos diversos cômodos e anexos do antigo engenho de açúcar do século XVIII. Um maravilhoso museu vivo, que mostra um pouco da história e sua importância para a região. O roteiro acaba na cozinha, com um fogão a lenha e duas imensas mesas de madeira e uma farta e diversificada refeição com receitas da família, como Carne de Rendenho, Matula de Galinha, Paçoca de Carne Seca, Virada de Raspa, Requeijão Goiano, Cavaco de Queijo, Pau-a-Pique, Bolo da Sinhá, Bolo da Senzala, Melado de Cana e Brevidades, que a Telma mantém diligentemente acordadas.

Brasília, capital que está à procura de uma identidade gastronômica, esta é uma boa hora para apresentar aos viajantes a diversidade dos sabores do Cerrado.
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Sabor Primordial

Publicado na Revista Roteiro de Brasília

Se você nunca provou uma costela de caititu, de boi ou de carneiro segurando ela com a mão, deixou de descobrir todos os seus segredos. Pegar a comida com a mão libera uma história remota, entocada no seu inconsciente. A sensação é pessoal e intransferível, pode agradar ou desagradar.

Nesse ato “primitivo” você se transporta para além dos enigmas dos sabores e temperos da carne. A liberdade de dispensar talheres rompe preconceitos e abre uma janela de volta para a infância de cada um de nós. A criança leva qualquer objeto à boca para identificá-lo num mundo ainda sem palavras nem regras estabelecidas. Só cores, cheiros e sabores sem nome.

Lembro ter comido uma costela de boi assada inteira num churrasco oferecido por uma família de vinicultores de Bento Gonçalves. Uma mesa comprida de madeira crua se esticava debaixo de um barracão no meio da mata com os pés regados pelo rio das Antas. Só homens animavam o terreiro. O ar impregnado dos cheiros da carne assada e do carvão estalando abria um espaço além do tempo para mergulhar na memória das noites de fogueira, após um longo dia de caça. Quando me vi segurando uma costela de ripa com as duas mãos, feito Obelix na frente do seu javali, arrancando feito um felino tiras de carnes da sua presa, o ambiente se transformou num piscar de olhos num cenário tribal.

Meses depois, de volta à capital, estava sentado numa mesa decorada e cheia de protocolos comendo suculentas costeletas de carneiro assadas que desmanchavam na boca. Olhei em volta para ver se os convidados iam baixar a guarda por um momento e atacar com os dentes a carne agarrada nos ossos.

Lembrei-me vagamente das aulas de etiquetas que permitiam ao gourmet assumido, em alguns casos específicos, pegar a comida com a mão: aspargos frescos, pilão de ave, ostra crua banhada na sua própria salmoura apenas liberada da casca com a ponta da faca, niguirizushi com seu arroz apoiado levemente no molho, temaki enrolada em forme de cone em folha de alga desidratada, batatas fritas vendidas com maionese em cones de papelão nas ruas da Bélgica e costeleta de cordeiro com a parte do osso protegido por um enfeite de papel repicado, manchon. Amparado pelo manual de bom comportamento, eu ia poder levar o osso a boca discretamente e aproveitar o crocante das carnes carameladas que resistiam à faca e ao garfo.

Os ossos limpos transmitiriam ao Chef o recado que o cliente tinha aprovado seu desempenho. Todo Chef sabe que a carne assada, grelhada ou cozida com os ossos fica mais saborosa. Esses pequenos detalhes proporcionam ao comensal uma emoção gustativa de alta relevância, acordando todos os sentidos do seu paladar.

Comer é um exercício iniciado pelo visual acompanhado pelos perfumes, na boca as texturas ajudam todos os sentidos a decifrar os segredos dos temperos e do método de preparo que o Chef aperfeiçoou para realizar sua receita.

Será que a comida tecno, pirotecnia visual na moda nos dias de hoje, trará aos nossos netos a felicidade de reviver lembranças escondidas no nosso inconsciente?

Comer por comer, comer por moda ou comer consciente. A escolha é de cada um.
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O Porco paga o Pato.


Publicado na Revista Roteiro de Brasília


Uma das noticias mais preocupantes para a população nas últimas semanas é a nova gripe suína, a H1N1.Porque falar dela numa coluna ligada ao comer?Eu imagino os porcos de granja recebendo da mão do homem uma ração padronizada, impossibilitados de escolher o que vão comer.

Coitado do “Baby”! Já tem a fama de sujo e comilão, come tudo e de tudo. Agora, culpado pela transmissão do H1N1, ele está frito.Em função da gripe o Egito iniciou uma cruzada de caça aos porcos. Na França os porquinhos mantidos na coleira continuam a procurar as maravilhosas trufas negras, para a felicidade dos gourmets.

Lembro que na década passada a vaca foi obrigada a se alimentar de ração a base de carcaça de vaca, disfarçada em granulados marrom esverdeado, até virar “vaca louca”.A produção de frangos em larga escala, tratados com hormônios de crescimento e ração elaborada a base de resíduos da indústria alimentícia e outros, deu seu alerta na contaminação de dioxina na carne de frango em maio de1999 na Europa.

Nosso país é um dos maiores consumidores de agrotóxico do planeta. Será que os grãos, vegetais e frutos que nós consumimos estão livres de toda influencia nefasta incorporada nesses produtos?As águas da chuva que correm para os rios levam, entre outros, os resíduos dos agrotóxicos para se incorporar à carne dos peixes. Acabam poluindo o litoral e contaminando os peixes e frutos do mar.

Podemos dizer que há algo estranho no reino humano.

A crise pela qual o mundo está passando pode servir, quem sabe, para reindireitar o barco e jogar fora, junto com os ativos financeiros podres, os agrotóxicos usados em excesso.
A agricultura sustentável, além de preservar o meio ambiente, pode valorizar os pequenos agricultores que sustentam suas famílias com trabalho duro. Para que isso aconteça, o público precisa tomar consciência da sua importância na cadeia da produção alimentar.O vírus da gripe não é transmitido pela carne dos porcos. Mas o susto pode ajudar consumidores e artesãos dos sabores a prestar atenção no que muitas vezes se esconde nos ingredientes que comemos ou oferecemos.

Transparência e responsabilidade estão na ordem do dia também na gastronomia.

Em 1994, o prefeito da cidade de São Paulo – aquele que “não tem dinheiro no exterior” – obrigou os donos de restaurante a convidar os clientes a entrar nas suas cozinhas. “Visite nossa Cozinha”. Belo meio de transferir a responsabilidade de fiscalizar e de levar para o ambiente da cozinha mais possibilidades de contaminação.Por falar nisso, acabo de ler uma notícia que no sul do país os restaurantes serão obrigados a por distribuidores de fio dental nos banheiros. Ação relevante para a saúde publica, não acham?

Estamos num bom momento para rever velhas práticas e convicções e analisar a evolução dos métodos utilizados na produção de alimentos, priorizar a essência dos produtos que utilizamos e o estilo de vida que levamos, para corrigir os excessos e as falhas.

Qualidade na matéria prima. É isso que nós precisamos focar, para poder aproveitar e desfrutar dos avanços da ciência na área da produtividade, seja ela industrial ou artesanal.
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sábado, 4 de julho de 2009

Revolução na Cozinha

Publicado na revista Roteiro de Brasília

Adora adentrar o espaço da cozinha, qualquer cozinha e de cozinha qualquer. Comprimento o alquimista que por lá está, olhando nos seus olhos, simpatizando com sua fisionomia e tentando descobrir sua veia gastronômica. Percebo assim o calor da casa, a personalidade dos donos, da família, da cozinheira, do Chef.

Ver panelas no fogão, de barro, de pedra sabão, de cobre, de ferro, de inox, de bambu... As de alumínio, gosto de ve-las nas estantes, areadas, verdadeiros espelhos, orgulho da maestrina do espaço, elas rebatem a luz do dia e a noite da lâmpada pendurada por um fio, esquentando o palco.

Gosto de abrir a porta das geladeiras, de descobrir as cores e volumes que seu quadro efêmero e gelado componha.

Gosto de levantar as tampas das panelas e liberar o bafo do seu conteúdo, com a ajuda da mão em formato de concha que levo até o nariz para viajar nos seus segredos íntimos. Adoro experimentar os ingredientes crus, in natura, perguntar sua origem, sua história, sentir sua textura, descobrir seu gosto antes de passar pelas mãos do criador, pelo calor ou frio.
Um dia desses entrei numa casa onde a bateria da cozinha apresentava um repertório musical digno do Hermeto Pascoal.

Logo fui chamado para arbitrar uma partida acirrada entre colheres de pau apoiadas pela torcida das tábuas de madeira e colheres de plástico ajudadas por tábuas de resina. Sentei-me no banco como juiz, colocando ao meu lado direito a família das madeiras, com os sábios da casa, e do outro a ala jovem dos derivados do petróleo.
O clima esquentou e peguei uma faca Chef como bandeirinha: vamos por partes, como todo bom esquartejador.

A ala jovem, inquieta e cheia de energia, tomou primeiro a palavra. Os lábios escondidos por uma máscara de tela branca amarrada nas orelhas feito dentista, filtrava seus dizeres deixando aparecer a timidez, logo superada pela empolgação. Em coro, sem pensar muito nos argumentos, defendiam com unhas e dentes, as mãos cobertas com luvas transparentes, o uso dos instrumentos de plástico na cozinha.

Chamamos os envolvidos e os deitamos enfileirados na mesa: as colheres sintéticas, brancas quando ainda virgens, tingidas e derretidas quando marcadas pelos seus afazeres; as tábuas de resina desenxabidas por exibir tantos riscos, retorcidas, deformadas e manchadas por sombras incrustadas na sua couraça higienicamente correta. Triste painel de uma beleza efêmera e uma responsabilidade higiênica duvidosa.

Os sábios esperaram em silêncio, sorriso sarcástico à vista, para darem o troco. Uma serie de colheres de madeira usadas, todas marrons, foram passadas de mão em mão para revelar suas historias. Uma tinha cheiro de caramelo entranhado nas suas veias, outra exalava o perfume de baunilha, outra mostrava o caminho das especiarias, outra lembrava o cheiro da maresia, todas tinham vida. Torturadas pelo fogo elas liberavam um cheiro doce de madeira queimada, sem vestígio de gazes tóxicos, ao contrario das suas rivais.
As tábuas de madeiras contaram por si mesmas os anos de casa, as várias mãos que por elas passaram, desde a escolha da sua madeira certificada, os artesãos que as confeccionaram, a mão tremula do aprendiz e a precisão certeira e segura nos cortes do Chef. Elas demonstravam um leve desgaste mantendo uma postura digna e nobre pela sua essência.Dei a palavra final à faca Chef, que para começo de conversa pediu para lavar as mãos com sabão e escovinha e depois sentenciou: “Trabalhar em cima de uma tábua de madeira é mais seguro porque não deixa a faca escorregar” e emendou num argumento infalível: “Qualquer fiapo de madeira é fibra natural, reconhecido pelo corpo humano desde sua aparição na terra e sem proporcionar desdobramentos perniciosos à saúde”.

Mas é só a opinião de uma faca. Que cada um escolha o material que lhe agrada na sua santa consciência, já que na matéria não existe certo nem errado comprovado.

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Notícias de Barcelona

Publicado na revista Roteiro Brasília

É sempre bom saber o nome do Chef do restaurante que você freqüenta. A casa pode ficar ancorada no mesmo endereço, mas o responsável pela cozinha pode viajar pelo Brasil e pelo mundo para aperfeiçoar seus conhecimentos e desenvolver novas técnicas.

Deu na telha ou se cansou do repetitivo, do cotidiano, e um Chef de verdade sai para se aventurar em outros sítios com o mínimo necessário, as roupas do corpo.

Fabio Taveiro fez isso. Trabalhou anos num buffet em Brasília. No fim do ano passado, fez parte de uma turma de Chefs convidados que quase chegou a assar um papagaio num programa de televisão. Meses atrás, tomou coragem, botou na bagagem sua flauta e suas partituras de choro e voou para Barcelona, o endereço da nova tendência da gastronomia na Europa.

Nos momentos livres Fabio encanta os catalães com obras de Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazaré e Ary Barroso, abrindo portas para um estilo de musica bem brasileira, ainda pouco conhecido na Europa.

No período da tarde, freqüenta a universidade de Barcelona para fazer um mestrado em história da gastronomia .
Os professores ligados ao Odela – Observatório da Alimentação, criado por Jesus Contreras, se revezam entre três universidades da Europa: Tours na França, Bologna na Itália e Barcelona na Espanha. Os alunos seguem cursos integrados, seminários e conferências e ficam de um a três meses tendo aulas em francês, italiano e espanhol.
As matérias teóricas dadas nas três línguas incluem o papel da gastronomia na economia, no social, nas técnicas relacionadas ao fazer, no patrimônio cultural e nos hábitos alimentares históricos e contemporâneos. O objetivo é ampliar o domínio do conhecimento dos alunos pela pesquisa nas fontes do saber escrito, das transmissões orais, iconográficas e audiovisuais na cultura gastronômica, para desenvolver sua capacidade de análise e seu espírito investigativo.

A duração do mestrado é de dois anos. O segundo ano é consagrado à realização de trabalhos monográficos, tipo artigos acadêmicos e uma memória final como conclusão do curso.

O inovador desse curso na gastronomia é que ele permite sair do campo do domínio das técnicas e receitas para situar a alimentação além das necessidades biológicas do ser humano e analisar suas interligações com os aspectos sociais, culturais e simbólicos e sua relação com a biodiversidade, território ou país.

Esse tipo de abordagem cria a possibilidade de recompor as cadeias alimentícias originais. No século passado, as técnicas de preparação dos alimentos foram se decompondo, se fechando, abandonando uma sinergia que assinala que eles estão todos interligados.

Inscreve-se na mesma tendência a valorização do trabalho de pequenos artesãos que também estão ligados às cadeias produtivas da alimentação.

Os pequenos produtores e artesãos não precisam de subsídio financeiro para sobreviver, mas de uma política que valorize seu trabalho e que divulgue os méritos e diferenciais das suas criações, como as panelas de barro, pedra e cobre, as colheres de madeira, as peneiras, os coadores de pano e outros utensílios que criam com suas mãos.

Boas notícias, Fabio. Aqui de Brasília, vamos acompanhar com interesse às descobertas desse jovem Chef à procura do seu caminho no vasto mundo da gastronomia.