sábado, 11 de julho de 2009

Primeira refeição



Publicado na Revista Roteiro de Brasília

Acabo de sair da maternidade. O pequeno Eki, novo viajante do nosso mundo, respirava o mesmo ar que seu pai e sua mãe, sua tia e seus avós. Cena comovente da única ocasião em que é um prazer ir a um hospital.

Vi a jovem mãe oferecer ao seu filho o colostro materno para tranqüilizar seu estranhamento ao misterioso ambiente. A primeira refeição na temperatura certa e a osmose vital passavam ao recém-nascido, com toda suavidade da pele, os ingredientes balanceados para sua proteção e o encaminhamento do seu desenvolvimento.

Lembrei das receitas de parteiras para ajudar a amamentadora a ter mais leite. Beber cerveja cor mulata âmbar, trazendo o sabor caramelado do malte na sua roupagem e coberta com uma espuma tão densa que pode ser comida de colher. Não comer feijão, cebola, couve, evitar o café e refrigerantes durante o primeiro mês para não atormentar o pequeno com cólicas depois das mamadas.

Um quadro gustativo deslizou na memória, trazendo à tona as variedades de manteiga artesanal feitas nas fazendas da minha infância, com suas mudanças de sabores e de cores: amarelada durante a primavera até o fim do verão, esbranquiçada até ficar lívida no inverno. Tudo diretamente ligado à variedade das pastagens, explicava o leiteiro aos visitantes. O sabor, cheiro e textura do produto seguiam o ciclo das estações. As embalagens de papel manteiga com o carimbo da estância diferenciavam a manteiga emoldurada a mão e feita com leite de vaca criada no pasto, das manteigas industriais. Como marketing, o leiteiro se gabava de conhecer todos os rebanhos das fazendas vizinhas e seus proprietários, para oferecer à freguesia um produto higiênico, saudável e de qualidade. Afinal, dizia, ele tinha que zelar pessoalmente pela saúde dos seus clientes.

Isso me fez pensar que as mães que alimentam seus filhos no peito podem abrir para eles o mundo dos sabores, ainda durante a lactação, com uma alimentação saudável e diversificada, evitando recorrer ao leite morto, em pó, aditivado com melamina.

Desfilaram na minha mente pratos que ajudariam a animar a mãe e preparar os filhos para sua primeira incursão no mundo da gastronomia.

Acordar com vitaminas de frutas orgânicas e aveia, um bom pão levemente torrado com uma fatia de queijo branco e um mel de engenho ou uma boa goiabada.

Almoçar um nhoque de batata doce com manteiga de garrafa e sálvia.

Ou um capão de milho banhado a fogo baixo até se desmanchar entre abóboras picadas, abobrinhas, chuchu, banana da terra, temperado na hora de servir com salsinha fresquinha picada e o suco de um limão, servido em prato fundo para comer de colher.

Ou um tucunaré de olho vivo recheado com erva doce e sua penugem picada miudinha, embrulhado no papel manteiga lacrado com clara de ovo e assado meia hora no forno aquecido acompanhado de um pirão de leite de mandioca fresca.

De noite, uma sopa de agrião cremosa para mergulhar um belo pedaço de pão ou uma massa fresca com manteiga de pequi.

Nós, adultos que gostamos de cozinhar e criar, já sabemos que o leite e seus derivados ajudam a ampliar, diluir e fixar os perfumes, as essências e os sabores na hora de incorporar eles a uma receita.

Leite materno, a nossa primeira refeição, irriga no seu leito ternura, aconchego, amor, paz, calor, cuidado, segurança, força. Todas as virtudes da boa alimentação.
Posted by Picasa

Um comentário:

  1. Coisa mais linda!!!!
    Parabéns Chef!
    A forma com que você escreve, desperta curiosidade, conscientiza com muito carinho, revelando a importancia da essência da gastronomia.
    Sucesso!!!!
    Beijo
    Thais Marega

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