quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Viajante



Estava embarcado com passagem para as Índias, confinado num espaço exíguo, reduzido entre o céu, o mar e o tempo, sem pressa.
Semanas se passaram e os ventos levavam a nossa embarcação para um horizonte sem farol a vista, deixando para trás o esboço da segurança das costas européias, na memória o dia a dia dos afazeres e os figurinos da minha pequena aldeia.
A água aprisionada em grandes jarras e tonéis de madeira não acompanhava mais o balanço enjoativo da caravela.
A catinga impregnada no ar afugentava os saudosos perfumes das comidas caseiras que tentavam em vão se agarrar na memória dos prazeres.
O horizonte não dava trégua, não parava de se abrir e seu vazio começava a embriagar a mente da tripulação.
Horas o vento castigava as velas obesas e as engenharias com tanta força que arremetia o gigante de madeira numa briga vital entre o sólido e o liquido.
Horas o silencio mortal da ausência do vento desperdiçava a cantoria melancólica dos marinheiros e seus medos velados.
Uma gaivota apareceu nos azuis dos infinitos para ressuscitar o mundo dos seres resignados ao Deus dará.
Terra!
Um imenso jacaré deitado no sol barrava o horizonte. Da sua vista nasceu um novo sonho com a possibilidade de encontrar as novidades tão almejadas antes e durante a travessia.
No convés todos olhavam para frente, ninguém queria olhar para trás para esquecer o tempo das duvidas e do isolamento. O cheiro afrodisíaco da terra chegava à nave em ondas leves surfando sobre um mar tranqüilo renovando o ar pesado da casa destacando o perfume azedo próprio a cada um dos viajantes.
A natureza desenrolava um gigantesco tapete sinuoso de areia dourada como para esperar os recém chegados. A vida animava o entardecer com revoadas de pássaros que se espelhavam nas águas escuras do rio, cantos e gritos sacudiam o topo das grandes arvores e seu mundo oculto.
Ao amanhecer um longo corso de figuras se formou saindo e voltando de dentro da mata auxiliar enquanto a tripulação colocava as canoas nas água turquesas do mar.
As pequenas embarcações apenas pousaram sobre a areal, um grito se ouviu da comunidade dos ribeirinhos, Há Me Rica, Há Me Rica...
Nossos olhares espantados se cruzaram: América?
Sorrisos, medos, troca de olhares e toques se repetiram entre os homens durante a manhã inteira.
As índias traziam frutas, raízes, farinhas, grãos e grandes folhas verdes. As crianças traziam uma variedade de peixes e conchas. Por um tempo curto, os homens se retiraram de campo e voltaram com suas caças.
Fogueiras se acenderam como por encanto nas areias finas da praia.
Os peixes, dourados, raias, baiacus, siris e caranguejos, ostras e camarões foram embrulhados nas folhas de bananeiras e depois escondidos na areia e cobertas com cinzas.
As mandiocas raladas, os beijus e tapiocas assados em grandes travessas redondas de barro assentados em pequenos fogareiros, as batatas doces e outras raízes colocadas nas fogueiras, os cocos rachados e as frutas empilhadas. As espigas de milho foram debulhadas e assadas nas chamas do fogo, os jabutis trazidos em pencas assadas nas reminiscências das toras incandescentes. As caças evisceradas, cortadas e espetadas em varas de madeiras verdes e regadas com água do mar, outras eram dispostas mais altas para deixar a fumaça impregnar suas essências de madeira na carne fresca.
O banquete dos frutos da terra estava encaminhado.
Os pacotes verdes desenterrados e abertos com alegria, as mãos alertas retiravam pedaços dos seus conteúdos misturando-os com bocados de mingau de mandioca e beijus. Cheiros diversos exalavam por toda parte, convidando a uma refeição farta, inusitada e diversificada.
As boas vindas estavam dadas
Tem Coca Cola?
Temos Guaraná!

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