Teorias, pesquisas e reflexões sobre a gastronomia brasileira, por Quentin Geenen de Saint Maur
quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
Receita de Ano Novo - Carlos Drummond de Andrade
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
quem por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
texto publicado no estadão por Xico Graziano
Delícia antiga
Xico Graziano
As ceias de Natal, embora mais recheadas, parecem perder qualidade a cada comemoração. Algumas frutas, certas carnes, muitos doces, atrativos na aparência, levados à boca desapontam o paladar. Mais guloseimas, menos sabor. Fenômeno curioso.
Há tempos se discute a qualidade biológica dos alimentos entre os estudiosos da agricultura biológica ou orgânica. Claude Albert, em 1970, apontava o problema do acúmulo de nitratos nas hortaliças e frutas, advindo de fortes adubações nitrogenadas no solo. Em seu livro L"Agriculture Biologique, o ecologista francês relata casos de intoxicação por nitrato em crianças, na Alemanha, alimentadas com purê de espinafre.
Antes dele, o bioquímico André Voisin, conhecido pelo sistema de pastoreio de gado que leva seu nome, afirmava ser a moderna fertilização, baseada em produtos químicos solúveis, fonte de desequilíbrios na composição dos alimentos. A adubação orgânica, ao contrário, ofereceria às plantas sais minerais e elementos nutritivos de forma harmônica. Antiga teoria.
Existe outra explicação. Produtos vistosos e graúdos, especialmente frutas e legumes, normalmente apresentam grande quantidade de água em sua composição, tornando-se mais túrgidos. Isso dilui e rouba sabor do alimento. Elevados rendimentos por área, portanto, promovem volume e peso, mas nem sempre garantem qualidade final da produção. Boniteza engana.
Sistemas intensivos de criação de animais, aqueles onde os bichos permanecem confinados em apertadas baias, superalimentados com ração, também podem afetar a qualidade da carne. Doenças musculares degenerativas, as miopatias metabólicas, descolorem a carne após o abate, trazendo flacidez com exsudação de água. Uma espécie de apodrecimento.
Nada se explica, porém, sem considerar o processo do melhoramento genético. Por meio dele os pesquisadores agrícolas aprimoram espécies e criam variedades normalmente mais produtivas, interessantes para o consumidor. Desde que as gôndolas no supermercado passaram a dominar as vendas, o aspecto visual, a beleza externa, ultrapassou a qualidade intrínseca.
Por essas e outras, os moranguinhos hoje em dia, lindos na vermelhidão, frustram no gosto. Quase sempre a bocada se arrepende pela acidez da frutinha. Os morangos de outrora, doces e macios, ingeriam-se sem açúcar ou mel na tigela. Suas plantas, porém, eram extremamente suscetíveis às pragas e doenças e por isso novas variedades, mais resistentes, sobrevieram da pesquisa para ajudar a produção. Resultado: boas no canteiro da roça, insossas na boca da gente.
Maçãs farinhentas, pêssegos lindos por fora e sem graça por dentro, mexericas sem caldo, escolha sua fruta predileta e verifique como anda seu sabor. Cuidado maior com as frutas importadas, mais caras e frequentemente enganadoras. Há exceções, claro, sempre. Confira a delícia da manga palmer, as fantásticas uvas sem sementes, o perfume da atemóia. Nem tudo está perdido!
Interessante particularidade acomete as frutas. Elas, em geral, amadurecem após serem colhidas. Significa que podem ser apanhadas do pé ainda verdolengas para, depois, chegarem ao consumo no ponto ideal. Assim ocorre, por exemplo, com o mamão, a goiaba, a manga. Mas existe um grupo de frutas que, ao serem colhidas, cessam seu amadurecimento. Nada as tornará apetitosas se no momento da colheita estiverem fora do ponto. Melão, uva e abacaxi apresentam tal característica. Aqui mora um problema.
O caso do melão é sintomático. Como os maiores campos de cultivo se encontram no distante Rio Grande do Norte, as frutas colhem-se ainda verdes - e duras -, capazes de suportar a longa viagem até os centros consumidores do Sudeste. Colhidos maduros - e moles -, os melões poderiam estragar-se, por amassamento, na carga do caminhão. Os comerciantes, portanto, preferem em sua logística garantir o aspecto exterior a assegurar sua doçura. Resultado: anda difícil achar um melão sem gosto de isopor.
Como se vê, vários fatores, próprios da agricultura comercial e do processo de industrialização, acabaram roubando parte da qualidade biológica dos alimentos, afetando seu paladar. Trata-se de uma característica da moderna sociedade. Acontece o mesmo com os doces: as grandes fábricas jamais conseguem reproduzir a gostosura dos produtos artesanais. Basta provar um doce caseiro como aqueles de Tatuí. Ninguém os troca por nada!
Frango caipira com polenta, então, nem se fala. Os galináceos de última geração, grandalhões e molengos, custam barato e chegam rápido à mesa das famílias. Assados naquelas televisões de cachorro, até que pegam um gostinho. Mas sua carne dificilmente se presta a uma saborosa galinhada daquelas de encher a boca. O frango amoleceu na granja, mas perdeu sabor na mesa. Isso pra não lembrar o peito de peru, maior na forma assada, porém quase incomível no prato. Reparem: até o cheiro verde perdeu seu odor no tempero!
Fruto da necessidade da produção em larga escala, visando a atender aos crescentes mercados citadinos, os produtos da mesa ganharam produtividade e perderam qualidade. Transportados, armazenados, pré-cozidos, embutidos, encheram-se de aromatizantes, acidulantes, estabilizantes, amaciantes, sabe-se lá mais o que mais. Viraram gororobas insaturadas, obesidade em alta.
As grandes empresas do setor alimentar afirmam assegurar a biossegurança daquilo que processam e vendem. Disso não se duvida. É bem verdade que muita coisa artesanal carrega péssimos atributos. Por outro lado, seguro para o consumo não significa gostoso ao paladar. Puxa vida, anda difícil encontrar uma ceia de Natal apetitosa como antigamente. Saudade da goiabada cascão.
Xico Graziano
As ceias de Natal, embora mais recheadas, parecem perder qualidade a cada comemoração. Algumas frutas, certas carnes, muitos doces, atrativos na aparência, levados à boca desapontam o paladar. Mais guloseimas, menos sabor. Fenômeno curioso.
Há tempos se discute a qualidade biológica dos alimentos entre os estudiosos da agricultura biológica ou orgânica. Claude Albert, em 1970, apontava o problema do acúmulo de nitratos nas hortaliças e frutas, advindo de fortes adubações nitrogenadas no solo. Em seu livro L"Agriculture Biologique, o ecologista francês relata casos de intoxicação por nitrato em crianças, na Alemanha, alimentadas com purê de espinafre.
Antes dele, o bioquímico André Voisin, conhecido pelo sistema de pastoreio de gado que leva seu nome, afirmava ser a moderna fertilização, baseada em produtos químicos solúveis, fonte de desequilíbrios na composição dos alimentos. A adubação orgânica, ao contrário, ofereceria às plantas sais minerais e elementos nutritivos de forma harmônica. Antiga teoria.
Existe outra explicação. Produtos vistosos e graúdos, especialmente frutas e legumes, normalmente apresentam grande quantidade de água em sua composição, tornando-se mais túrgidos. Isso dilui e rouba sabor do alimento. Elevados rendimentos por área, portanto, promovem volume e peso, mas nem sempre garantem qualidade final da produção. Boniteza engana.
Sistemas intensivos de criação de animais, aqueles onde os bichos permanecem confinados em apertadas baias, superalimentados com ração, também podem afetar a qualidade da carne. Doenças musculares degenerativas, as miopatias metabólicas, descolorem a carne após o abate, trazendo flacidez com exsudação de água. Uma espécie de apodrecimento.
Nada se explica, porém, sem considerar o processo do melhoramento genético. Por meio dele os pesquisadores agrícolas aprimoram espécies e criam variedades normalmente mais produtivas, interessantes para o consumidor. Desde que as gôndolas no supermercado passaram a dominar as vendas, o aspecto visual, a beleza externa, ultrapassou a qualidade intrínseca.
Por essas e outras, os moranguinhos hoje em dia, lindos na vermelhidão, frustram no gosto. Quase sempre a bocada se arrepende pela acidez da frutinha. Os morangos de outrora, doces e macios, ingeriam-se sem açúcar ou mel na tigela. Suas plantas, porém, eram extremamente suscetíveis às pragas e doenças e por isso novas variedades, mais resistentes, sobrevieram da pesquisa para ajudar a produção. Resultado: boas no canteiro da roça, insossas na boca da gente.
Maçãs farinhentas, pêssegos lindos por fora e sem graça por dentro, mexericas sem caldo, escolha sua fruta predileta e verifique como anda seu sabor. Cuidado maior com as frutas importadas, mais caras e frequentemente enganadoras. Há exceções, claro, sempre. Confira a delícia da manga palmer, as fantásticas uvas sem sementes, o perfume da atemóia. Nem tudo está perdido!
Interessante particularidade acomete as frutas. Elas, em geral, amadurecem após serem colhidas. Significa que podem ser apanhadas do pé ainda verdolengas para, depois, chegarem ao consumo no ponto ideal. Assim ocorre, por exemplo, com o mamão, a goiaba, a manga. Mas existe um grupo de frutas que, ao serem colhidas, cessam seu amadurecimento. Nada as tornará apetitosas se no momento da colheita estiverem fora do ponto. Melão, uva e abacaxi apresentam tal característica. Aqui mora um problema.
O caso do melão é sintomático. Como os maiores campos de cultivo se encontram no distante Rio Grande do Norte, as frutas colhem-se ainda verdes - e duras -, capazes de suportar a longa viagem até os centros consumidores do Sudeste. Colhidos maduros - e moles -, os melões poderiam estragar-se, por amassamento, na carga do caminhão. Os comerciantes, portanto, preferem em sua logística garantir o aspecto exterior a assegurar sua doçura. Resultado: anda difícil achar um melão sem gosto de isopor.
Como se vê, vários fatores, próprios da agricultura comercial e do processo de industrialização, acabaram roubando parte da qualidade biológica dos alimentos, afetando seu paladar. Trata-se de uma característica da moderna sociedade. Acontece o mesmo com os doces: as grandes fábricas jamais conseguem reproduzir a gostosura dos produtos artesanais. Basta provar um doce caseiro como aqueles de Tatuí. Ninguém os troca por nada!
Frango caipira com polenta, então, nem se fala. Os galináceos de última geração, grandalhões e molengos, custam barato e chegam rápido à mesa das famílias. Assados naquelas televisões de cachorro, até que pegam um gostinho. Mas sua carne dificilmente se presta a uma saborosa galinhada daquelas de encher a boca. O frango amoleceu na granja, mas perdeu sabor na mesa. Isso pra não lembrar o peito de peru, maior na forma assada, porém quase incomível no prato. Reparem: até o cheiro verde perdeu seu odor no tempero!
Fruto da necessidade da produção em larga escala, visando a atender aos crescentes mercados citadinos, os produtos da mesa ganharam produtividade e perderam qualidade. Transportados, armazenados, pré-cozidos, embutidos, encheram-se de aromatizantes, acidulantes, estabilizantes, amaciantes, sabe-se lá mais o que mais. Viraram gororobas insaturadas, obesidade em alta.
As grandes empresas do setor alimentar afirmam assegurar a biossegurança daquilo que processam e vendem. Disso não se duvida. É bem verdade que muita coisa artesanal carrega péssimos atributos. Por outro lado, seguro para o consumo não significa gostoso ao paladar. Puxa vida, anda difícil encontrar uma ceia de Natal apetitosa como antigamente. Saudade da goiabada cascão.
sexta-feira, 25 de dezembro de 2009
domingo, 6 de dezembro de 2009
Viva os Orgânicos
O cuidado com a proveniência dos ingredientes de uma receita é o primeiro passo para o possível sucesso na concretização da obra culinária. Assim o chef demonstra preocupação com a qualidade dos ingredientes e com o bem estar e a saúde dos seus comensais.
O artista plástico, o músico, cineasta, escritor ou escultor têm toda a liberdade de pesquisar materiais novos para expressar sua criatividade, criando obras com matérias tradicionais, ou polêmicas pela escolha de materiais inusitados ou pela técnica utilizada.
Se aplicasse essa teoria, o chef correria certos riscos: poderia fulminar o cliente na primeira garfada ou envenená-lo lentamente, quando a proveniência dos produtos utilizados não fosse diretamente certificada por ele.
Levei uma jovem chef de Brasília visitar a Fazenda Flor de Mel, na estrada para Unaí, e conhecer uma fazenda com produtos orgânicos certificados. O jornalista Marco Antonio, o dono, nos recebeu cordialmente e, papo vem papo vai, ladeira sobe, ladeira desce, falamos com entusiasmo do prazer de ver os trabalhadores do campo sem luvas, sem máscaras e com chapéu de palha na lavoura, capinando, regando, abrindo e fechando covas. De observar o composto orgânico, o criatório de minhocas, as galinhas pastando e as vacas com chifres.
Chegando à explicação dessa escolha, o jornalista contou convicto que, como está tendo hoje um certo descrédito em relação a profissão, preferiu se dedicar a resgatar os sabores das ervas do quintal da sua casa, em Montes Claros. Parâmetro relevante para quem teve a dádiva de ter sido alimentado, na infância, por produtos originários da horta.
Atualmente, a juventude, nas grandes cidades, tem cada vez mais raramente essa oportunidade. Ela não tem na memória as sutilezas do fresco das ervas, do seu crocante, da força da seiva subindo das raízes fincadas em terra plena até a copa iluminada pelos raios de sol, na firmeza das suas folhas descabeladas pelo vento e pelas chuvas.
Eu diria que uma grande vantagem desses ingredientes é o seu concentrado de sabores, a essência da sua existência, a memória do meio ambiente onde desabrocharam com densidade, o perfume e o sabor armazenados durante o tempo do seu lento crescimento.
Lendo algumas pesquisas no “The Organic Center” (TOC) e na Associação de Comercio Orgânico (OTA) sobre as benfeitorias trazidas à saúde pelo consumo dos orgânicos, imperceptíveis para um leigo, fica comprovado que os vários nutrientes se encontram em maior porcentagem nesses alimentos em relação aos convencionais.
Outras vantagens, sociais e ambientais, se unem na produção deste tipo de alimentos. Sugiro ao leitor a edição “Compras 100% aprovadas” por Carmen Figueiredo com receitas do chef Alex Atala para entender como se pode, com a mudança em direção às compras conscientes, contribuir a um lento restabelecimento do equilíbrio ecológico, na sua cidade, no seu Estado e por conseqüência no planeta.
A qualidade desses ingredientes se percebe claramente no resultado obtido no sabor das receitas, precisando de uma quantidade menor, já que são mais concentrados, e na duração e longevidade no seu armazenamento adequado sem a permissividade dos aditivos químicos.
sábado, 5 de dezembro de 2009
Carlos Dória
05/12/09
Quentin, o modernizador paulistano
A gastronomia é uma disciplina sem memória sistematizada. Não raro falo com chefs das novas gerações que não sabem quem é Quentin Greenen de Saint Maur. Nem ouviram falar do seu revolucionário restaurante L'Arnaque, que imperou durante anos na rua Oscar Freire.
Mas estou certo de que ele foi tão ou mais importante do que o Laurent e o Claude Troisgros na definição da nova cena gastronômica paulistana dos anos 1980. Claude e Laurent surgiram no Rio, ancorados na hotelaria turística carioca; Quentin, que é belga, veio diretamente para São Paulo. A nouvelle cuisine chegou à cidade por suas mãos. Até então, os restaurantes franceses paulistanos eram muito caretas. Caros e caretas.
O L´Arnaque, assim como o Danton, eram os únicos “franceses” que fugiam ao modelão convencional. O que os particularizava era a inovação, aberta pela nouvelle cuisine e contrária a uma tradição já bastante desgastada que ainda pagava o preço da dificuldade de se obter bons produtos importados.
Quentin mergulhou nos produtos nacionais – como era do feitio dos franceses renovados – e, em relação aos produtos clássicos da culinária francesa, tratou de incentivar a sua produção por aqui. Ele sempre me falava com entusiasmo de produtores que começavam a experimentar o cultivo de cogumelos, de endívia, e a produção de foie gras.
Do seu restaurante, muitos pratos ficaram na memória dos freqüentadores. Tinha um excelente confit de canard. E uma sobremesa que era o desejo recôndito de todo gourmet: uma simples sopa de morango com sorvete de baunilha e zests de casca de limão ou laranja.
Quando o L´Arnaque fechou, Quentin saiu de cena porque se mudou para Brasília, onde é consultor de gastronomia.
Ele impactou a literatura culinária em 2002, com o livro Muito Prazer, Brasil – Variações Contemporâneas da Cozinha Regional Brasileira onde registra seus experimentos com ingredientes brasileiros em 60 receitas. Resenhei este livro na Trópico e depois inclui no Estrelas no céu da boca (2006), estabelecendo o paralelo com o esforço de inovação que se encontra no livro do Atala, Por uma gastronomia brasileira.
O livro do Quentin anda esgotado, o que é uma pena. Os estudantes de gastronomia deviam procurar nos sebos ou fazer cópias, pois é um exemplo impecável de como se pode ser moderno, criativo, sem perder as raízes nas referencias populares. Ao contrário da moda atual de pratos rebarbativos, às vezes com quatro ou cinco ingredientes, Quentin foi econômico e essencial nas suas receitas.
Em 2005 ele coordenou a ação de alguns chefs de Brasília no evento Mercado Floresta na Oca do Ibirapuera. De lá para cá, seu compromisso com a biodiversidade e a sustentabilidade são claros e inequívocos em tudo o que faz.
Por que estou escrevendo tudo isso? Porque o Quentin vem ai, para participar do Entre Estantes & Panelas de dezembro e estará na Livraria Cultura no dia 07, a partir das 18 horas. Não se deve perder o bate-papo com ele.
Postado por Carlos Dória
Quentin, o modernizador paulistano
A gastronomia é uma disciplina sem memória sistematizada. Não raro falo com chefs das novas gerações que não sabem quem é Quentin Greenen de Saint Maur. Nem ouviram falar do seu revolucionário restaurante L'Arnaque, que imperou durante anos na rua Oscar Freire.
Mas estou certo de que ele foi tão ou mais importante do que o Laurent e o Claude Troisgros na definição da nova cena gastronômica paulistana dos anos 1980. Claude e Laurent surgiram no Rio, ancorados na hotelaria turística carioca; Quentin, que é belga, veio diretamente para São Paulo. A nouvelle cuisine chegou à cidade por suas mãos. Até então, os restaurantes franceses paulistanos eram muito caretas. Caros e caretas.
O L´Arnaque, assim como o Danton, eram os únicos “franceses” que fugiam ao modelão convencional. O que os particularizava era a inovação, aberta pela nouvelle cuisine e contrária a uma tradição já bastante desgastada que ainda pagava o preço da dificuldade de se obter bons produtos importados.
Quentin mergulhou nos produtos nacionais – como era do feitio dos franceses renovados – e, em relação aos produtos clássicos da culinária francesa, tratou de incentivar a sua produção por aqui. Ele sempre me falava com entusiasmo de produtores que começavam a experimentar o cultivo de cogumelos, de endívia, e a produção de foie gras.
Do seu restaurante, muitos pratos ficaram na memória dos freqüentadores. Tinha um excelente confit de canard. E uma sobremesa que era o desejo recôndito de todo gourmet: uma simples sopa de morango com sorvete de baunilha e zests de casca de limão ou laranja.
Quando o L´Arnaque fechou, Quentin saiu de cena porque se mudou para Brasília, onde é consultor de gastronomia.
Ele impactou a literatura culinária em 2002, com o livro Muito Prazer, Brasil – Variações Contemporâneas da Cozinha Regional Brasileira onde registra seus experimentos com ingredientes brasileiros em 60 receitas. Resenhei este livro na Trópico e depois inclui no Estrelas no céu da boca (2006), estabelecendo o paralelo com o esforço de inovação que se encontra no livro do Atala, Por uma gastronomia brasileira.
O livro do Quentin anda esgotado, o que é uma pena. Os estudantes de gastronomia deviam procurar nos sebos ou fazer cópias, pois é um exemplo impecável de como se pode ser moderno, criativo, sem perder as raízes nas referencias populares. Ao contrário da moda atual de pratos rebarbativos, às vezes com quatro ou cinco ingredientes, Quentin foi econômico e essencial nas suas receitas.
Em 2005 ele coordenou a ação de alguns chefs de Brasília no evento Mercado Floresta na Oca do Ibirapuera. De lá para cá, seu compromisso com a biodiversidade e a sustentabilidade são claros e inequívocos em tudo o que faz.
Por que estou escrevendo tudo isso? Porque o Quentin vem ai, para participar do Entre Estantes & Panelas de dezembro e estará na Livraria Cultura no dia 07, a partir das 18 horas. Não se deve perder o bate-papo com ele.
Postado por Carlos Dória
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
Da escolha da matéria-prima ao prato final
Da escolha da matéria-prima ao prato final .
O ser humano só pode ficar três minutos sem respirar oxigênio.
O homem pode ficar vivo durante aproximadamente uma semana sem ingerir água.
O indivíduo pode sobreviver até um mês sem comer.
Na hierarquia das funções vitais a alimentação chega ao terceiro lugar e em primeiro quando se pensa na palavra civilização e cultura.
Saindo do homem coletador e caçador toda a estrutura da nossa civilização se deve a aparição do fogo ao desenvolvimento da agricultura e da pecuária.
Impossível desassociar o caminho do homem até os dias de hoje da procura, pesquisa e descoberta de novos alimentos.
Estamos entrando numa nova era o Chef de hoje terá novas preocupações, ele tem na produção em grande escala uma incógnita que se esconde debaixo da denominação dos produtos que ele prepara e serve aos seus clientes.
É o assunto que vou desenvolver com o publico.
O novo papel do Chef, sua contribuição na tomada de consciência da escolha da qualidade da matéria prima até o prato final.
Gastronomia uma arte espelho do Chef que reflete sua criatividade e consciência.
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Forno Solar
No refeitório da escola, na pequena cidade de Dinant, na Bélgica, havia varias mesas enfileiradas, com lugar para oito alunos. Cada uma delas e seus ocupantes eram postos sobre a responsabilidade de um dos alunos do último ano de estudo, que também eram responsáveis pela elaboração do cardápio do mês.
Na minha mesa estavam sentados sete alunos, três de uma mesma família 13,14 e 15 anos, dois irmãos e dois filhos únicos, estou falando dos anos 70. Todos eram muitos especiais, uns davam trabalho para os professores, outros tinham conflitos de relacionamento com a própria família, outros, dificuldades em se adaptar às regras de vida em sociedade, mas todos eram muito unidos na hora em que alguma ameaça vinha de fora do grupo.
Num fim de semana de outono, fui convidado pelos três irmãos a visitar sua família em Maredret, vilarejo de artesãos que remete um pouco como conceito ao povoado de Bichinho, perto de Tiradentes. Para chegar à casa da família tive que deixar o carro embaixo de uma pirambeira e subir a pé até alcançar a casa.
A casa luminosa, aberta para a natureza, tinha na sala principal um atelier onde a mãe fiava a lã tingida com pigmentos naturais que, depois de ser prensada num imenso tear, acabava em tapeçarias contemporâneas, com representações de sonhos, angustias e visões.
Do lado de fora da casa, uma fundição estava em plena atividade, o escultor Felix Roulin, pai dos três meninos, estava fundindo peças gigantescas para o espetáculo que o Groupe Plan K ia apresentar em Bruxelas. A cena era antológica e fascinante: nunca tinha assistido a uma fundição. Felix me fazia pensar no deus Vulcano, com fogo, cheiro de sulfuroso, calor e fusões.
Sentamo-nos à mesa da sala-cozinha para conversar: Emanuel me mostrava os desenhos criados por ele para suas historias em quadrinhos, Corantin me dava seus ensaios de poesias para ler e Pascal me pediu para acompanhá-lo até o jardim para me mostrar sua ultima criação. O dia estava ensolarado, coisa rara na Bélgica, mas não única como as más línguas costumam falar.
Passamos primeiro pelo galinheiro, onde levantamos cuidadosamente uma poedeira, escondida na sua caixa, para sutilmente lhe retirar uma das suas obras e, com o ovo na mão, fomos até uma escultura de espelhos assentada num toco queimado. Meu guia olhou para ver a posição do sol e deu uma ajustada na sua obra, ajoelhou-se e quebrou num gesto certeiro a casca do ovo liberando seu conteúdo que parecia refletir a cor do sol e as nuvens no caleidoscópio. Acreditei, em silencio, que fosse um despacho, parte de um ritual de boas vindas na casa. A gema se cobriu devagar, muito lentamente, de um véu opaco e a clara mudou sua textura gelatinosa, deixando sua transparência dar lugar a cor branca, com densidade mais forte que comemos em seguida.
Atento a novos tipos de cozimentos, mais tarde tive a possibilidade de comer um ovo estalado na pedra, numa viagem no deserto entre a Líbia e o Egito, e, no deserto de Atacama, no Chile, um ovo cozido nas águas borbulhantes dos gêiseres. Nos Açores, na Ilha de São Miguel, existe um cozido tradicional de carnes e legumes com cozimento lento debaixo da terra, que aproveita o calor das furnas.
Quem diria que uma experiência de física feita por um garoto de 12 anos nos anos 70 seria uma premonição para os dias de hoje, a procura de energias limpas. Um ovo cozido pelos raios do sol se refletindo numa escultura de espelhos pode ser o prenuncio de uma nova era, como foi a do homem caçador e coletor quando adestrou o fogo.
domingo, 8 de novembro de 2009
O canto do galo
Cinco da manhã, o có-có-ró-có do galo vizinho do Pouso da Chica acorda a turma do quintal.
Estou de férias.
Retomo meu sono deixando ao galo o difícil labor de acordar o sol nessa época chuvosa em Diamantina.
Cot-cot-cot... São oito horas e as frenéticas galinhas festejam o amanhecer com os ovos botados.
No sobe e desce pelas ruelas e becos de Diamantina procuro o antigo Mercado dos Tropeiros, um galpão com toda a estrutura em madeira que inspirou o arquiteto Niemeyer nos esboços do seu projeto para o Palácio da Alvorada. Hoje, Mercado Municipal, ele abriga aos sábados uma feira de pequenos produtores e quituteiras da cidade e dos arredores. Uma grande miscelânea que vai de produtos da horta, comidinhas, doces, cristais e artesanato.
Saindo da feira eu já levava na minha cesta alguns ingredientes regionais como maxixe fofo em formato de pimentão verde alongado, bem diferente do maxixe bojudo e espinhoso, que nas receitas tradicionais após ser escaldado é servido recheado com carne moída, brotos de samambaias a serem fervidos para tirar o amargo e depois picados e refogados na manteiga, um punhado de jambo branco com seu delicado sabor de rosa.
A Praça do Velho Mercado estava toda enfeitada por estandartes com imagens de santos e instrumentos musicais.
Lá estava o retrato de um galo, nas portas e balcões das lojas, nos postes, nos caminhões, anunciando as “Bandas de Cá”, convidando todos a assistir o festival de bandas tradicionais do interior de Minas no domingo na praça.
Nos arredores me deparei com uma loja de delicatessen: a Athenas do Norte. Lá encontrei uma variedade de produtos sofisticados como lingüiça de cordeiro, queijos variados, cervejas artesanais e uma adega com vinhos nacionais e importados muito bem escolhidos. A própria dona aconselhava os compradores indecisos, no meu caso ela me comprovou por uma degustação de cachaças de alambiques renomados e de pequenos produtores a fama do Estado por seus destilados.
Na despedida ela me sugeriu ir ao “IV festival de Frango Caipira” no distrito de São Gonçalo do Rio das Pedras.
No dia seguinte fui, debaixo de chuva, até o pequeno povoado situado a 34 km da cidade com duas amigas de Caruaru para descobrir a origem do festival e experimentar alguns dos pratos.
A estrada de terra que leva até São Gonçalo do Rio das Pedras, é um regalo para a vista. Cadeias de rochosas negras, jardins de pedras brotadas, fachadas de palácios góticos esculpidos pelas águas e ventos, mata nativa e pastos verdes banhados por pequenos riachos e cachoeiras.
A escolha do ingrediente de base para caracterizar o festival é a carne de frango caipira, por ser a carne mais utilizado nas refeições dos 834 moradores do povoado, explicou-me o dono do restaurante Angu Duro.
As receitas são elaboradas nos fogões a lenha, que tem a particularidade nessa região de ser construído sobre pés de madeira. Nos cardápios dos restaurantes e pousadas se encontravam: frango com ora-pro-nobis, frango ao molho pardo, frango com creme de milho, frango com quiabo, ensopada de frango com vinho, frango afro-mineiro.
No dia seguinte, na Pousada, o canto do galo despertou em mim a memória dos sabores dos pratos experimentados no Festival e pedi dois ovos fritos na manteiga no café da manhã.
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
Comer, lembrar, viver por Rodrigo Balbueno -
Em poucas coisas nossa condição humana revela-se tanto como na relação que temos com a comida e tudo que a cerca. Ao mesmo tempo em que nela se exprime toda a diversidade e a singularidade resultante de milhares de anos de evolução, essa relação mostra bastante bem o quanto nos assemelhamos e como as diferenças não são capazes de obliterar nossa condição essencialmente una, seja quando se fala de povos geograficamente distantes, ou quando se trata de uma separação de ordem econômica.
Do churrasco na laje à alta gastronomia nos salões mais refinados, sempre há alguém que se preocupa com um jeito peculiar de manipular o que vamos comer; um pequeno segredo que diferencia a forma de preparo ou um fornecedor recôndito que tem um ingrediente capaz de tornar uma receita especial.
Na relação das pessoas com a comida vive também o que há de mais nobre em nós: a generosidade de investir o tempo para um prazer que pode ser tão fugaz, a humildade do permanente aprendizado, a curiosidade por investigar o que pode haver por trás das sensações que os alimentos nos podem despertar.
Memória e desejo transformando nossa necessidade mais básica em algo que a excede e eleva a outras esferas a forma como a satisfazemos. Em nosso paladar está a chave para uma viagem no tempo e em cada um de nós há uma “Madeleine” capaz de nos transportar instantaneamente a tempos distantes.
E os maravilhosos paradoxos dessa relação, pois quando se trata de comida, a sofisticação e o requinte não são atributos inseparáveis do luxo e do refinamento.
Há muitos anos, no interior do Rio Grande do Sul, tínhamos como vizinhos uma família cujo pai cultivava o hobby da criação de galos de rinha, muito antes do ecologicamente correto e muito depois de Jânio Quadros.
A temporada de rinhas era precedida por uma longa preparação; dos ovos aos grandes campeões uma rigorosa seleção é necessária. Como ocorre em qualquer esporte, os aspirantes menos hábeis vão sendo instados a procurar outro rumo, com a diferença que, quando se trata de galos de rinha, seu nobre destino pode ser a panela, nesse caso um galo com massa que coroava de uma forma bastante peculiar uma carreira fadada ao fracasso.
Sacrificados logo cedo, os galos iam pra panela de ferro no fogão à lenha, fritos em gordura animal e temperado com as ervas colhidas na horta, para longas horas de cozimento. A massa era preparada com os mesmos ovos que a providência poderia haver convertido em um grande campeão ou no acompanhamento para a massa; mistérios do destino aviário.
À tarde o cheiro tomava conta do espaço, enquanto os longos fios amarelos de massa descansavam sobre a mesa salpicada de farinha, e cedo da noite já estava tudo pronto. A carne escura e densa envolta em um molho espesso que se abraçava aos fios amarelos da massa; um sabor único, guardado para sempre na memória.
Em um galpão de madeira sem forro, ao lado do “tambor” onde se decidia o destino das aves belicosas, os amigos dividiam uma grande mesa em uma refeição inesquecível. No ambiente o mais simples possível, o luxo estava na generosa acolhida, no encanto das coisas feitas com amor e dedicação, no prazer maior de dividir a comida com aqueles que amamos.
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Comoção – Food e Feeling
Novas tendências na gastronomia estão pipocando na Europa.
Ciente da necessidade de dar uma injeção de ânimo e renovar a visibilidade da gastronomia, o jornalista frances Alexandre Cammas resolveu investir num novo movimento que ele batizou de Fooding, uma associação de duas palavras inglesas – comida e sensação/emoção – que resulta em algo parecido com “Comoção” em portugues.
Foi em maio de 2008 em Bruxelas que descobri a proposta concreta do movimento lançado entre amigos na França em 1999.
Com preço simbólico da entrada a cinco euros, valor revertido para a Cruz Vermelha, você podia participar de uma degustação gastronômica no almoço, no lanche da tarde ou no jantar. O evento era apresentado por nove Chefs belgas e patrocinado pela indústria da alimentação.
O clima era jovem, muito festivo e marcado por três ingredientes indissociáveis para uma receita de sucesso: boa comida, bons vinhos e boa música.
Numa entrevista, Alexandre Cammas descreveu Fooding como uma versão moderna da gastronomia, palavra na concepção dele antiquada, que significa “ao uso do estomago” ou “a regulamentação da comida”.
- O Fooding é primeiramente um outro conceito da cozinha e em segundo lugar é uma proposta de servir durante as manifestações refeições quase de graça. A proposta é de modernizar a imagem da cozinha francesa e evoluir para uma cozinha mais “sexy”, seguindo os movimentos da moda e do design, ser mais contemporânea, acompanhando as novas tendências.
O evento se dirige a todos e ninguém em particular e tem como intuito de permitir à juventude descobrir a gastronomia. Bom para quem não tem acesso aos restaurantes de renome em razão do seu alto custo. Seria um meio de desenvolver o senso crítico dos jovens e prepara-los para prestar uma atenção especial na hora de escolher produtos alimentícios no futuro.
Durante os eventos gastronômicos, organizados na maior parte nos fins de semana, são servidas até duas mil refeições. Há apresentações de pequenos produtores e Chefs que falam dos seus produtos, do seu trabalho e das suas criações.
O que se constatou ao longo dos anos é que a número de adeptos jovens é cada vez maior nesses encontros.
O local e data dos eventos são divulgados pela internet, com uma palavra-chave para criar uma atmosfera de surpresa e de mistério.
Hoje o Fooding é uma marca registrada e gera renda com seus vários parceiros da indústria alimentícia para criar seu guia e seu site.
A palavra e seu conceito vêm se juntar a fast food, slow food, cozinha nolecular, world food, cuisine du terroir, cozinha industrial, cozinha fusão, cozinha do mercado e cozinha caseira no vocabulário da gastronomia.
Na realidade esses eventos são muito apropriados para a divulgação de novos talentos e suas obras, dando-lhes visibilidade no meio de um cenário informal e convidativo. E empolgam a juventude com sede de reuniões em massa a céu aberto, lembrando um pouco as raves que invadiram o mundo com suas musicas eletrônicas, house, progressive, techno, minimal, drum n’bass, full on, psy trance entre outros.
Pergunte a um DJ se ele não está tocando música nessas festas?
domingo, 18 de outubro de 2009
A Carne e o Sangue por Frederico Lucena de Menezes
Já está batido falar nos prazeres da carne e cansativo falar no sangue como exemplo daquilo que é intrínseco, precioso e vital. Pensando nos anos que morei no Uruguai, os prazeres da carne eram literalmente gastronômicos. Impressionante o carinho com que aqueles assados eram conduzidos, mas não impressionavam tanto alguns companheiros de trabalho do hemisfério norte. Cheguei a ver um daqueles fornos elétricos preparar uma carne maravilhosa em poucos minutos e o anfitrião dizer que não via diferença entre uma forma e outra de fazer o churrasco. É diferente, para pior. A outra forma – a uruguaia - é demorada e diferente daquela que vejo em Brasília, feita na churrasqueira. Devo avisar que não sei preparar por nenhuma das formas.
No Uruguai, fazem uma espécie de escadinha de ferro inclinada a 45 graus sobre o braseiro. As carnes começam lá em cima e vão descendo – imagino que pelas características de cada uma – em tempos diferentes. Cheguei a me convencer que comer aquelas carnes era (quase) ser vegetariano. Afinal, boi come capim e não existe boi industrializado. Sem dúvida é uma comida natural. Para isso a natureza nos deu o apêndice e a necessidade do zinco e das proteínas que vêm na carne vermelha. Mas, assim como descem lentamente pela escadinha sobre o braseiro, admito que o desejo por essa forma de alimento vai diminuindo com a idade. É a natureza.
A mesma natureza que nos deu o trigo e inspirou alguns povos a inventar o ritual de fazer o pão. É tão impressionante que daquela plantinha saia esse alimento, que não surpreende que seja comparado com a carne, a carne do corpo, permitindo a ingestão ritual da divindade. Carne sem sangue? Por que não? Outros rituais pressupõem isso. Mas a natureza oferece um substituto à altura: o vinho. De outra plantinha, de um fruto pequeno, fez-se um líquido de cor atraente, de cheiro agradável e gosto melhor ainda. Não se discute os prazeres da carne (há um certo consenso), mas é comum a discussão dos prazeres do vinho (onde nunca há consenso). Haverá comunhão de imagens mais simpática ao espírito que uma jarra de vinho junto a uma cesta de pães?
E os queijos? Perguntarão alguns. Aí é outra história, teríamos que falar do leite e das mães. Isso só pode vir depois do sangue e dos prazeres da carne.
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
Cassoulet du Boulanger
“Cassoulet”
Seguir a trilha até a origem desse prato nos leva ao período medieval na Europa.
No manuscrito “Le Viander”,publicado sob o pseudônimo Taillevent pelo Chef Guillaume Tirel, que atuou em várias casas reais durante seis décadas no século XIV, há uma descrição de um prato que ele classifica como um ragoût de porco, carneiro e favas.
Alguns historiadores vão mais longe nas suas pesquisas: assinalam a presença de uma receita a base de favas brancas, carneiro, legumes e especiarias numa obra escrita por Mohamed de Bagdá em 1226, dando assim uma origem moura ao prato.
A introdução do primeiro plantio de favas brancas no sul da França se deve à influência da cultura árabe no século VII.
A lenda conta que no século XVI, durante a guerra de 100 anos, na região do Languedoc, a invasão da cidade de Castelnaudary pelo exército inglês era iminente e a população local, ameaçada pelo espectro da fome, reuniu num grande caldeirão assentado em cima de uma fogueira torresmo, banha, carne de porco, lingüiças, favas e legumes para alimentar e revigorar seus soldados.
A refeição deu tão certo que entrou para a história e a tropa dos inimigos foi rechaçada até o norte do país, nas margens do Canal da Mancha.
Nessa época o feijão branco era desconhecido na Europa. Originário do México, Peru e Colômbia, seu cultivo se difundiu na França depois da descoberta das Américas. Em 1536, Alexandre de Médicis deu um saco de feijão de presente a sua irmã Catarina por ocasião do seu casamento com o futuro rei Henrique II.
Foi a partir do século XVII que as tradicionais favas da receita foram substituídas pelos feijões brancos.
No pequeno vilarejo de Issel, localizado oito quilômetros ao norte de Castelnaudary, os ceramistas aproveitarem a fama do prato para desenvolver, entre os vários utensílios domésticos da época, uma “cassole” em barro: um recipiente aberto e profundo que até hoje é utilizado para cozinhar o feijão branco e seus “pertences”, acrescentando-lhe um toque particular. A partir do século XVIII o etoufet ou ragoût de feijão branco passa a ser chamado cassoulet e hoje integra o patrimônio cultural da cidade de Castelnaudary.
O cozimento na panela de barro agrega um sabor especial à receita. É fácil entender isso quando se compara o sabor de uma moqueca preparada na autêntica paneleira de Goiabeiras do Espírito Santo e numa outra panela qualquer.
Uma tradição da região do Languedoc tenta se manter viva até hoje e se difundir pelas diversas regiões da Europa. A finalização do prato com feijão branco, tomates, cenouras, confit de pato, lingüiças, costelas de porco e um bom tempero se faz com farinha de rosca salpicado na superfície da travessa para depois ser levada ao forno dos padeiros e acabar seu cozimento, assim nasceu o famoso cassoulet du boulanger.
No Brasil, o primeiro grande bufê montado com cassoulet du boulanger e foi preparado em São Paulo pelo Chef Christian Formon e servido para mais de duzentas pessoas na comemoração de um aniversário no palco do extinto Teatro Colômbia, em 1990.
Em Brasília, os leitores podem experimentar essa guloseima diferenciada aos sábados na “Tradition”.
sexta-feira, 9 de outubro de 2009
Texto: Chef Thais Marega
- Com licença, boa tarde! Gostou do prato do dia? – uma pergunta que faço diariamente a meus comensais. A resposta vem antes mesmo das palavras, essas eu já consegui obter observando-os durante a sua refeição, na primeira garfada, o levantar das sobrancelhas ou o fechar apertado dos olhos remetendo, quem sabe, a uma lembrança, ao prazer de estar acariciando os sentidos com aromas, texturas, cores e sabores de um produto que teve um cuidadoso preparo.
Pegar uma matéria-prima de qualidade, estudar suas propriedades, textura, reações aos métodos de cocção a ela aplicados, observar o melhor corte para explorar ao máximo o que esse produto pode proporcionar ao prato final é a minha paixão.
Descobrir que a gastronomia é a arte minuciosa de despertar prazer na vida das pessoas deu um novo sentido ao meu ser.
A mistura de momentos, vontades, estudo, histórias, cultura, curiosidades, criatividade compões a essência dessa arte na minha vida.
Me coloco naquilo que faço, transformado os produtos em encanto, tratando matérias-primas, equipamentos e técnicas com respeito e fidelidade.
Busco transmitir conforto aos corações entristecidos ou calor em um dia mais fresco. Procuro refrescar os dias mais quentes, acolher o solitário, envolver o desiludido, fazer refletir quem está perdido. Tornar mais prazeroso o almoço de negócios e mais descontraídas as comemorações, tudo isso envolta de uma mesa.
A mesa... altar das refeições, onde a família faz a primeira reunião diária no café da manhã. Mesa, envolta da qual festas acontecem, decisões são tomadas, reflexões iniciadas. Mesa, base de apoio aos alimentos transformados e verdadeiras obras de arte por mãos que com muito amor e generosidade transformam os frutos da Terra em pedacinhos de conforto, restauração, prazer e paz.
Ouvir opiniões, selecionar a relevância das críticas e crescer com elas, ler, pesquisar, aprender com quem já sabe, ser humilde e paciente, cicatrizar a pele com o calor das panelas e o fio da faca, tudo para mergulhar nesse mundo delicioso da gastronomia, marcas da profissão que é amor e ao mesmo tempo é razão.
Gastronomia para mim é fazer da “obra” aquilo que sou, colocar alma, é mistura de muito trabalho, emoção, sensibilidade e amor.
sábado, 3 de outubro de 2009
A Mesa e o Tempo por Frederico Lucena de Menezes
A MESA E O TEMPO
Escutei, há muitos anos, o seguinte diálogo entre minha mulher e sua mãe:
“Minha filha, hoje não jantarei com vocês, pois tenho pouco tempo”.
“Podemos fazer um jantar mais rápido”.
“Não faça isso, seu jantar é uma missa!”.
A boa refeição é mais que boa comida. É ritualizada, e rituais tomam tempo de outras atividades para que saindo do profano, se aproximem do sagrado. Daí a referência à missa. A frase da doce senhora não era uma queixa; era um lamento por não poder rezar naquela noite.
Um grande banco brasileiro usou recentemente o tempo na sua propaganda, lembrando que a vida é boa, mas com tempo é especial.
Como contrapartida, temos a famosa máxima - ou mínima, no caso -, que tempo é dinheiro. Geralmente isso é entendido que quanto menos tempo gastarmos com atividades improdutivas, melhor. Também pode significar que o tempo, por si só, é valioso.
Novamente, vou ilustrar: recém-chegado a Washington fui convidado para almoçar com um diplomata estadunidense, desejoso de retribuir alguns encontros que eu havia proporcionado em São Paulo. Vesti-me de terno e gravata sabendo que ele sairia do trabalho, e voltaria para lá. Não queria destoar. Estranhei o ponto de encontro: uma esquina de avenida comercial movimentada, com uma praça. Era verão. Fazia sol e calor. Cheguei cedo e não vi restaurante algum nas imediações. Assustei-me com uma mão firme pegando meu braço e me conduzindo apressadamente para dentro da farmácia, na mesma esquina onde eu estava. Lá havia um buffet de saladas, caixinha de plástico transparente com divisões, talheres de plástico, garrafinha de suco de laranja e mais guardanapos do que o necessário. Peguei uma mini garrafinha de tinto californiano que ninguém é de ferro. Cada um pagou o seu no caixa onde a primeira da fila comprava xarope para tosse. Acompanhei os passos rápidos e determinados do meu comensal a um banco de praça – no sol -, antes que alguém o fizesse. Comemos enquanto eu respondia como podia às perguntas secas que pretendiam demonstrar interesse pelo meu bem estar na volta aos Estados Unidos, onde deveria ficar alguns anos mais. Ao final, abriu uma caixinha de onde tirou uma pílula. Perguntei se era medicação de uso constante. Não, era a essência do vinho tinto que fazia os franceses terem menos infartos do miocárdio que os norte-americanos! “Sem precisar beber” disse, olhando para minha garrafinha vazia. Perguntei se ele havia considerado a hipótese de o coração dos franceses gostar mais de tirar o paletó, sentar à sombra, comer com talheres em prato sobre uma mesa com toalha e tirar uma soneca depois. “Leva tempo demais”, foi a resposta enquanto atirava os detritos numa lixeira pública. Nunca mais fui “convidado” por ele.
“Leva tempo demais”. Fiquei com essa frase na cabeça enquanto acariciava minha garrafinha vazia. Pensei nas muitas refeições protocolares a que compareci e percebi melhor como o protocolo e a estética se imbricam. Quando se vê a mesa posta e arrumada, percebe-se o tempo e o cuidado que foi dedicado à ocasião. Adianta-se a visão do número de convidados. Pelos copos sabe-se que bebidas serão servidas o que dá a dimensão dos tempos, das fases da refeição. Diminui a ansiedade. Para isso serve o protocolo; para antecipar a seqüência dos acontecimentos no seu aspecto formal.
A formalidade, no entanto, tem muitas faces. A mesa arrumada na hora, a ajuda dos poucos convivas na distribuição de louça, talheres e copos nos lugares, é uma das formalidades mais gostosas. Principalmente se tiverem passado – a convite – pela cozinha do anfitrião, pressentindo sabores pelos cheiros e cores. Pelos ruídos e calores.
Esses aspectos são parte do ágape, da caridade no convívio que só faz sentido com tempo e sensibilidade. O tempo não é apenas um devorador de tudo e todos que se apresentem ao seu apetite. O tempo pode ser o terreno onde se planta sementes de vida, de serenidade no compartilhar. Nenhuma imagem melhor para demonstrá-lo do que uma refeição saborosa, bonita e ritualizada. Sobretudo com o tempero do sentimento de tê-la merecido.
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
Três leituras três estilos
Três leituras três estilos.
O mercado editorial está ampliando com novos gêneros de livros sua ação na divulgação da gastronomia.
Hoje você encontra nas estantes das livrarias livros de culinária com conteúdo, histórico, pratica, visual, assinados por Chefs e pesquisadores.
Nesses últimos meses me regalei com alguns desses lançamentos e achei pertinente compartilhar com vocês minha leitura de três deles.
Cozinha Maternal
“Alcobaça”, escrito pela professora Laura Góes, conta sua trajetória de educadora cozinheira. Fala de sua juventude na casa de férias da família em Petrópolis, das aventuras de uma jovem recém casada em país estrangeiro, da necessidade de encarar o forno e fogão para alimentar e dar aconchego a sua familia. Relata a fundação de dois renomados colégios em São Paulo (onde alguns dos meus sobrinhos estudaram), até a resolução de abrir uma “Maison d’Hôtes” nas alturas do Rio de Janeiro.
As paixões de Laura pela culinária e pela educação estão se irradiando no contexto social e cultural da região, onde ela desenvolve uma ação humanista e erudita.
O viajante que pousa na sua Maison desfruta de uma liberdade total pouco comum num empreendimento comercial. Sem horários para as refeições: sempre há a comidinha caseira no fogão a lenha, a qualquer hora do dia.
Uma trajetória bem sucedida, uma filosofia a procura de qualidade e harmonia na vida numa proposta coerente que aconselho a todos os proprietários de pousadas ou futuros investidores na área de ler.
Na segunda parte do livro, Laura oferece algumas receitas que são razão do sucesso da sua mesa.
Cozinha Historica
“Delicias do Descobrimento” é um conjunto de verbetes ilustrados, resultado de uma pesquisa em escritos e relatos do século XVI. O trabalho da autora Sheila Moura Hue releva a importância da criatividade e adaptação dos colonizadores à necessidade vital de integrar aos seus costumes e fazeres na culinária os ingredientes e produtos existentes na região, valendo-se com precaução dos hábitos alimentares indígenas.
Para quem aprecia esse tipo de leitura, aconselho também “Historia da Alimentação no Brasil” de Luis da Camara Cascudo, livro de pesquisa e estudo etnológico muito denso e mais hermético, editado há mais de trinta anos.
Cozinha Identidade
“O Ultimo Chef Chinês”, romance de Nicole Mones, especialista em culinária chinesa, nos permite acompanhar a ascensão de uma critica de gastronomia americana, Maggie, com uma analise psicológica da personagem e uma profusão de informações e macetes profissionais. A autora nos abre as portas da gastronomia vista de um ângulo jornalístico. Seu enredo gira em torno de uma matéria inédita de Maggie sobre o sino-americano Lian Wei, um descendente fictício da ultima família de Chefs da época imperial da China. O encontro dos dois protagonistas em Pequim se estende numa sucessão de capítulos com ricas descrições e muita sensibilidade. De um lado, um homem jovem à procura do resgate da sua identidade e das suas dificuldades para se tornar Chef pelos meandros práticos e emocionais do mundo da gastronomia chinesa. Do outro, a critica gastronômica confrontada com uma cultura desconhecida, descobrindo parâmetros sensoriais e hábitos milenares que hoje são absorvidas pelo mundo afora, algumas vezes sem seu notório reconhecimento.
sábado, 12 de setembro de 2009
Texto de Maria Olimpia - Como uma palavra mágica
Maria Olimpia, Fazenda do Mel em Visconde de Mauá
Como uma palavra mágica, falar em gastronomia, me transporta a casa de minha avó, na velha Bahia, onde nasci. Apesar dos três andares, salões, capela muitos quartos, era a cozinha que exercia, em mim, o maior fascínio... Aquelas negras alforriadas, magas, carregando caldeirões fumegantes, as línguas de fogo vermelho do enorme fogão a lenha e, como em um ritual religioso o ar se condensa de perfumado incenso, também ali, a atmosfera nebulosa inebriava com o aroma de delícias culinárias. Eu, deslumbrada em meio a magia e encantamento, aguardava, paciente, a hora de provar algo que me elevaria ao céu... A gastronomia já fazia parte da minha vida.
Nos dias de festa, as moquecas de peixe com o azeite de dendê dourando o molho entremeado pelo branco do leite de coco e acompanhado pelo feijão doce (ou feijão de leite) era o meu prato predileto. Tantos outros pratos da comida africana, trazida junto com os escravos, compunham a rica mesa do folclore baiano, que me permiti uma fusão com eles, ganhando alguns prêmios nos concursos de gastronomia da Festa do Pinhão em Visconde de Mauá. Assim misturei minhas raízes, fincadas nas praias encoqueiradas de minha infância, com o produto natural da Mata da Serra da Mantiqueira, o pinhão, que apanho no chão macio e verde da fazenda onde moro.
Não posso deixar de citar aqui as maravilhosas sobremesas da casa de minha avó; que carrego nos ombros da minha memória, como um caracol carrega sua casa. Após as comidas seguiam-se o Toucinho de Céu (com amêndoas), os Papos de Anjo (com ovos e calda de açúcar), a Baba de Moça (com coco).
Na religião, também vemos a oferta de pratos especiais para cada entidade do candomblé, como acontecia em outros rituais religiosos e gastronômicos das mitologias com deuses e banquetes ofertados pelos homens.
A Bahia oferece uma comida exótica e colorida, com características próprias, de alegre acolhida e hospitalidade. Tudo isto é gastronomia. Ela nos proporciona momentos de prazer e felicidade, nos elevando a um plano de transmutação, capaz de despertar a afabilidade daqueles que nos acompanham numa refeição. Assistimos isso no lindo filme - A Festa de Babete.
Comer bem e bem acompanhado, desde a primeira etapa da escolha dos ingredientes, a viagem pela horta semelhante a um besouro que procura o néctar doce nas flores da mata-chegar ao momento de oferecer o prato pronto às pessoas que amamos, me traz o desejo de perdoar aos que ainda não consigo amar.
Às vezes, fico entregue a devaneios noite adentro, o que me causa insônia, imaginando o prato que nunca fiz... Fazer gastronomia, faz parte das minhas fantasias: encontrar um sabor novo, alquimista tentando transformar chumbo em ouro, é um momento que pode me levar a exaustão ou a conquista de uma vitória. Um almoço em família, ao ar livre, em um dia de sol ou degustar quitutes e vinho, à beira de uma lareira, numa noite fria, com alguém muito especial, é gastronomia para todos os gostos.
A gastronomia preencheu a minha vida nos últimos vintes anos desta, trouxe a mim na maturidade, emoções que me faltavam viver, quando participei do evento TERRA MADRE
na Itália, por exemplo, e, na velhice, me conforta o estômago e aquece o coração.
Emocionada, ao trazer para a mesa, a torta de morango que costumo fazer quando meus netos e o pequeno bisneto vêem me visitar, na Fazenda onde moro, verifico que estou lhes proporcionando usufruir do privilégio de ter a infância vivida por mim na casa de minha avó. A gastronomia faz dessas coisas: nos leva do presente para o passado e traz o passado ao presente. Sou feliz assim.
Como uma palavra mágica, falar em gastronomia, me transporta a casa de minha avó, na velha Bahia, onde nasci. Apesar dos três andares, salões, capela muitos quartos, era a cozinha que exercia, em mim, o maior fascínio... Aquelas negras alforriadas, magas, carregando caldeirões fumegantes, as línguas de fogo vermelho do enorme fogão a lenha e, como em um ritual religioso o ar se condensa de perfumado incenso, também ali, a atmosfera nebulosa inebriava com o aroma de delícias culinárias. Eu, deslumbrada em meio a magia e encantamento, aguardava, paciente, a hora de provar algo que me elevaria ao céu... A gastronomia já fazia parte da minha vida.
Nos dias de festa, as moquecas de peixe com o azeite de dendê dourando o molho entremeado pelo branco do leite de coco e acompanhado pelo feijão doce (ou feijão de leite) era o meu prato predileto. Tantos outros pratos da comida africana, trazida junto com os escravos, compunham a rica mesa do folclore baiano, que me permiti uma fusão com eles, ganhando alguns prêmios nos concursos de gastronomia da Festa do Pinhão em Visconde de Mauá. Assim misturei minhas raízes, fincadas nas praias encoqueiradas de minha infância, com o produto natural da Mata da Serra da Mantiqueira, o pinhão, que apanho no chão macio e verde da fazenda onde moro.
Não posso deixar de citar aqui as maravilhosas sobremesas da casa de minha avó; que carrego nos ombros da minha memória, como um caracol carrega sua casa. Após as comidas seguiam-se o Toucinho de Céu (com amêndoas), os Papos de Anjo (com ovos e calda de açúcar), a Baba de Moça (com coco).
Na religião, também vemos a oferta de pratos especiais para cada entidade do candomblé, como acontecia em outros rituais religiosos e gastronômicos das mitologias com deuses e banquetes ofertados pelos homens.
A Bahia oferece uma comida exótica e colorida, com características próprias, de alegre acolhida e hospitalidade. Tudo isto é gastronomia. Ela nos proporciona momentos de prazer e felicidade, nos elevando a um plano de transmutação, capaz de despertar a afabilidade daqueles que nos acompanham numa refeição. Assistimos isso no lindo filme - A Festa de Babete.
Comer bem e bem acompanhado, desde a primeira etapa da escolha dos ingredientes, a viagem pela horta semelhante a um besouro que procura o néctar doce nas flores da mata-chegar ao momento de oferecer o prato pronto às pessoas que amamos, me traz o desejo de perdoar aos que ainda não consigo amar.
Às vezes, fico entregue a devaneios noite adentro, o que me causa insônia, imaginando o prato que nunca fiz... Fazer gastronomia, faz parte das minhas fantasias: encontrar um sabor novo, alquimista tentando transformar chumbo em ouro, é um momento que pode me levar a exaustão ou a conquista de uma vitória. Um almoço em família, ao ar livre, em um dia de sol ou degustar quitutes e vinho, à beira de uma lareira, numa noite fria, com alguém muito especial, é gastronomia para todos os gostos.
A gastronomia preencheu a minha vida nos últimos vintes anos desta, trouxe a mim na maturidade, emoções que me faltavam viver, quando participei do evento TERRA MADRE
na Itália, por exemplo, e, na velhice, me conforta o estômago e aquece o coração.
Emocionada, ao trazer para a mesa, a torta de morango que costumo fazer quando meus netos e o pequeno bisneto vêem me visitar, na Fazenda onde moro, verifico que estou lhes proporcionando usufruir do privilégio de ter a infância vivida por mim na casa de minha avó. A gastronomia faz dessas coisas: nos leva do presente para o passado e traz o passado ao presente. Sou feliz assim.
Leite, mel e identidades
Leite de vaca, de cabra, de camelo, de ovelha, de baleia, de golfinho e hoje leite de soja.
Podemos entender a mesma denominação básica para os leites já que são de origem mamífera, resta a duvida sobre o leite de soja, mas como o látex é “leite de arvore” porque não ter leite de uma leguminosa?
Mas, e o mel?
Uma polêmica pouco compreensível sobre a denominaçao do mel das abelhas com ferrão e o das abelhas sem ferrão se estende entre os produtores de mel das abelhas Apis Melliferas (as com ferrão) e os colhedores de mel das abelhas Meliponíneas (as sem ferrão).
O mel da abelha Apis Melliferas encontra-se em todos os mercados e lojas naturais e tem como fonte o fruto da prospecção das abelhas importadas: africanas ou européias. Seu teor em umidade é só de 20% e sua quantidade de açúcares redutores pode chegar a 65%, o que permite uma conservação com mais longevidade e diminui risco de fermentação. Seu sabor se limita a algumas variedades e sua qualificação é ligada diretamente às flores que as abelhas visitam durante a floração: mel de eucalipto, silvestre, de laranja, etc. Este mel tem a vantagem de ser recolhido em grande quantidade. As colméias comportam enxames maiores e são hospedadas em caixas moveis para ajudar a polinização de grandes pomares e plantações, permitindo uma padronização dos sabores. O perigo é uma nova doença, um ácaro que está extinguindo as colônias das Apis Melíferas pelo mundo.
O mel de abelha Meliponíneas, nativa ou indígena, denominadas Jataí, Uruçu e Tiúba é licoroso (35 % de umidade e até 50 % de concentração de açucares redutores), uma verdadeira iguaria para os conhecedores. Seu sabor é particular com uma leve ponta de acidez e traz na sua bagagem degustativa o histórico dos biomas da sua origem: o pólem das plantas silvestres. Plantas que ela ajuda a fertilizar na Mata Atlântica, no Cerrado, no Pantanal, na Caatinga e na selva Amazônica pois as abelhas nativas se encontram em todo o território nacional. As colméias são menores e a retirada do mel é delicada e deve ser feito manualmente.
Os Chefs brasileiros, formados ou influenciados pela gastronomia européia, acostumados a trabalhar com mel nas suas receitas estão descobrindo a diversidade e a riqueza do mel das Meliponíneas, aproveitando seu sabor peculiar e sofisticado para acompanhar carnes, aves, peixes.
Os Glaciers estão criando sorvetes e sorbets artesanais perfumados por ele; e os Chocolatiers aproveitam sua delicadeza e personalidade para temperar cremes e manteigas para rechear seus bombons.
É incompreensível que o mel das abelhas sem ferrão não possa ser chamado de mel por uma norma burocrática que estabelece os padrões de identidade e qualidade, definindo como mel o produto originário somente das abelhas Melliferas. Em razão desse não senso alguns apicultores colhedores estão desumidificando seus produtos para poder se enquadrar nas normas dos órgãos públicos.
Lamento essa restrição na identidade, o mel das abelhas sem ferrão contribui muito para a valorização e enriquecimento da diversidade dos ingredientes brasileiros.
Será que ovo é só da galinha vinda da India e os outros são óvulos ou todos são óvulos.
A Ema natural do Brasil bota o que?
terça-feira, 25 de agosto de 2009
Gato por Lebre
A expressão, bem antiga, nasceu da prática de alguns espertos que vendiam gato por lebre nas feiras livres e casas especializadas em carne de caça. Até que veio uma lei obrigando a apresentar os animais com a cabeça e as patas, para impossibilitar a falsidade.
Pois saiba que a expressão pode não ter perdido seu sentido original.
Você já experimentou o pirarucu?
Muitos dirão que nunca encontraram esse peixe da Amazônia nas peixarias, em cardápios de restaurantes ou mercados.
Doce ilusão. Você pode ter um dia preparado ou comido pirarucu disfarçado de outro peixe.
Em alguns mercados, carne de pirarucu desfiada e lombos generosos são vendidos salgados com o nome de bacalhau.
Nada ver com aquele peixe de tamanho médio, “Gadus Morhua” das águas geladas do Oceano Ártico, pescado em grande escala com redes e processado em navios fábricas.
Prato emblemático da cozinha portuguesa, conservado seco e salgado ele é “demolhado” e preparado de mil e uma maneiras diferentes, sempre regado de um bom azeite de oliva. Sua apresentação nas bancas de secos e molhados é de peixe aberto, eviscerado, de formato triangular, sempre sem cabeça, com sua carne branca salgada, seca e dura de um lado e de outro sua pele bege acinzentada.
No norte da Europa ele é muito apreciado fresco. Sua carne se separa em grandes gomos quando assado ou cozido, hábito remanescente de um costume alimentar divulgado pelos vikings.
O “Arapaima Gigas”, Pirarucu, é um dos maiores peixes de água doce do mundo. Ele se encontra na bacia amazônica em áreas de várzea ou em lagos e rios de águas quentes e calmas. Seu nome vem da junção de duas palavras indígenas “Pira” significa peixe e “Urucum” por ter sua calda de cor avermelhada.
O peixe carnívoro pode chegar a três metros de comprimento e pesar até duzentos e cinqüenta quilos. É fisgado com arpão quando sobe para respirar na superfície da água. A pesca é muito esportiva e pede um olhar atento para localizar a vítima e uma boa preparação física na hora de tira-la da água.
Sua carne saborosa é firme e abundante de cor branca. É retirada em mantas e tradicionalmente salgada para facilitar sua conservação. A língua é utilizada pelos indios para ralar o bastão de guaraná. As escamas são verdadeira lixa para unhas.
Hoje já existe criação em manejo e o Ibama regula sua pesca para controlar a espécie ameaçada.
No fim dos anos 80 uma empresa brasileira recorreu ao mesmo artifício com o peixe Surubim, lançando no mercado o Surubim defumado fatiado. Ela apresentava seu produto como salmão nacional, o que resultava em frustração dos compradores na hora de experimentar o produto, tendo na memória comparativa um sabor e uma textura totalmente diferente. Hoje o produto se encontra com sua devida denominação e até o Itamaraty serve a iguaria nas suas recepções como produto genuinamente brasileiro.
Outro peixe da região amazônica, o gurijuba, com seus files tingidos de urucum e levemente defumados, inundou o mercado nacional sobre a denominação de haddock.
Os três peixes brasileiros são bem saborosos. Então por que insistir nesse marketing?
Preconceito com os ingredientes nacionais ou falsidade ideológica com fins lucrativos?
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
Museu a Céu Aberto
O cheiro de queimado do Senado permeava o ar da cidade de Brasília e decidi viajar para aliviar o peso desse ambiente contaminado.
No dia seguinte da minha chegada à Bahia, ao amanhecer, pegamos a balsa e logo em seguida um ônibus até Guaiú.
O motorista buzinava a cada ser que cruzava na beira da estrada em sinal de “tudo bem”, “bom dia”, “tenho um recado para você”.
Assim chegamos na hora do “vamos descer”, sem mesmo ter percebido que o transporte coletivo tinha rodado por mais de meia hora.
Fomos logo afogar os pés na areia do mar. A praia fica entre a ex capital do cacau e o Museu a Céu Aberto do Redescobrimento. As águas dos rios deixavam pegadas barrentas no meio do mar azul brilhoso, largando como único vestígio da sua passagem sementes e folhas do mangue.
A conversa entre nós rolava como fora do tempo, num outro paralelo, numa outra dimensão.
A hora da fome parecia ter chegado e nos levou a procurar a bem falada choupana da Dona Maria Nilza.
Algo me permitiu pensar que o lugar era bem particular e que o vento estava soprando para uma nova descoberta, aos pés de Iemanjá.
Logo na entrada um fogão à lenha, na cozinha aberta para todos verem.
Seguimos as dicas da cozinheira, decidida e sabendo do que estava falando. A carne de Aratu estava em falta, mas tinha carne de siri catado, um polvo caçado nos rochedos da frente preparado com vinagrete e um vermelho a borralheiro, peixe abundante na região, envolvido em folha de bananeira e assado coberto pelas cinzas do fogão, acompanhado de um purê de abóbora sapo. Um quente e bem preparado molho de pimenta caseira, cada vez mais difícil de encontrar mesmo na Bahia.
Na sobremesa a cocada de cacau, a base de sementes torradas desta fruta, sem coco, bem amarga e crocante, acompanhava o café de coador passado na hora.
Que sonho mais agradável aquele que supera na qualidade a própria esperança.
Na balsa para Santa Cruz de Cabrália, contornamos sua ilha de mangue em formato de coração.
Um nativo apontou para a Cidade Alta onde duas novas casas construídas por “gente de fora” descaracterizavam a vista histórica com sua igrejinha branca, interferindo no ponto de referência para os pequenos barcos de pesca em alto mar.
Perguntei se ainda havia muitos pescadores na cidade, ele me convidou para conhecer a Tarifa, pequena edícula na beira do rio onde os pescadores vendem os frutos da sua pesca na parte da manhã.
No dia seguinte cheguei ao porto bem cedo, as traineiras estavam sendo descarregadas dos seus tributos.
Dezenas de Dourado-do-mar (Cabeçudo, Guaraçapé) de dois metros de comprimento e de coloração verde-azulada e prateada com suas caudas furcadas saiam das entranhas da pequena embarcação, após esta ter passado dias a mais de trinta milhas da costa.
Na bancada azulejada do mercadinho destacavam-se outras jóias dos fundos marinhos da região: dois Atuns azuis, Raias e uma grande variedade de Vermelhos, alguns com listras amarelas ou pontinhos brancos, e Pargos. Bastava ali uma pitada de sal, pimenta e uma boa manteiga para degustá-los com muito prazer.
sexta-feira, 17 de julho de 2009
ABAGA Centro Oeste e Tocantins
Publicado na Revista Roteiro de Brasília
A Associação Brasileira da Alta Gastronomia nasceu em São Paulo em 1995. Foi fundada por quatro Chefs europeus e um argentino que queriam dar visibilidade à gastronomia e seus porta-bandeiras, os Chefs, no Brasil.
É uma entidade séria, sem fins comerciais, dedicada a congregar os Chefs com a troca de experiências vividas e conhecimentos na área, difundir e valorizar a alta gastronomia brasileira no país e marcar sua presença no mundo.
Sua pauta de atuação é ampla:
- promover eventos como palestras, workshops e feiras, com ênfase na troca de saberes e costumes próprios a cada cultura regional e na valorização da qualidade dos produtos alimentícios;
- estimular uma política educacional focada na formação técnica e na cultura geral dos estudantes, para dar a eles uma base sólida e uma padronização dos conhecimentos das técnicas de preparos, de linguagem culinária, consciência social e responsabilidade sanitária;
- facilitar a atualização dos profissionais por aulas e intercâmbio entre Chefs do Brasil e do mundo.
No inicio a entidade desbravou um mercado ainda adormecido e bem menos consciente da importância da arte da gastronomia na cultura brasileira.
A culinária se resumia a receitas e dicas, fazia parte de matérias para revistas femininas e na TV, como o programa diário da ilustre Ofélia Anunciato.
Verdadeiros pioneiros, os membros e muitos outros Chefs entraram num corpo a corpo para conquistar o mercado e dar destaque à profissão com apoio da mídia e dos críticos de gastronomia: Saul Galvão e Paulo Cotrim no Jornal da Tarde, Sivio Lancelotti na Folha de São Paulo, Celso Nucci na revista Veja e no Guia Quatro Rodas, Giovani de Bourbon des Deux-Siciles na única revista especializada em gastronomia do país, a Gourmet, na época dirigida por Luis Carta, editor da revista Vogue.
Nos anos 80 o Hotel Maksoud inaugurou seu empreendimento com um conceito inovador de arquitetura e serviços oferecendo uma variedade de cozinhas do mundo: um restaurante francês, La Cuisine du Soleil, um restaurante nórdico, Vikings, e um restaurante japonês.
Na época os Chefs franceses começavam a trabalhar em restaurantes estabelecidos no Rio de Janeiro e logo perceberam que São Paulo oferecia uma clientela empreendedora à procura de lazer cotidiano como os prazeres da boa mesa. Houve uma migração dos Chefs que colocou São Paulo na posição de capital brasileira da Gastronomia.
O fidalgo Jorge Monti de Valsassina, dono e Chef do restaurante Refugio del Viejo Conde, assumiu a presidência da ABAGA em 1999, carregou o “piano” nas costas e partiu para a revitalização e o desenvolvimento da instituição até julho deste ano.
O fruto da sua ação é visível. Um dos seus grandes méritos é o de ter conseguido reconhecer a associação pela WACS - The World Association of Chefs Societies, fundada em 1928 na universidade da Sorbonne, em Paris. Hoje ABAGA é a representante oficial da WACS para América do Sul.
O novo presidente, o Chef João Leme, vencedor do Global Chefs Brasil 2007 está iniciando seu mandato focando na descentralização para agregar a diversidade brasileira na associação com a nomeação de diretores para diversas regiões do país.
Em Brasília está sendo criado um grupo de conselheiros por Chefs nas áreas da gastronomia, Boulanger, Chocolatier, Glacier e Pâtissier para debater o rumo da gastronomia na região Centro Oeste.
sábado, 11 de julho de 2009
Primeira refeição
Publicado na Revista Roteiro de Brasília
Acabo de sair da maternidade. O pequeno Eki, novo viajante do nosso mundo, respirava o mesmo ar que seu pai e sua mãe, sua tia e seus avós. Cena comovente da única ocasião em que é um prazer ir a um hospital.
Vi a jovem mãe oferecer ao seu filho o colostro materno para tranqüilizar seu estranhamento ao misterioso ambiente. A primeira refeição na temperatura certa e a osmose vital passavam ao recém-nascido, com toda suavidade da pele, os ingredientes balanceados para sua proteção e o encaminhamento do seu desenvolvimento.
Lembrei das receitas de parteiras para ajudar a amamentadora a ter mais leite. Beber cerveja cor mulata âmbar, trazendo o sabor caramelado do malte na sua roupagem e coberta com uma espuma tão densa que pode ser comida de colher. Não comer feijão, cebola, couve, evitar o café e refrigerantes durante o primeiro mês para não atormentar o pequeno com cólicas depois das mamadas.
Um quadro gustativo deslizou na memória, trazendo à tona as variedades de manteiga artesanal feitas nas fazendas da minha infância, com suas mudanças de sabores e de cores: amarelada durante a primavera até o fim do verão, esbranquiçada até ficar lívida no inverno. Tudo diretamente ligado à variedade das pastagens, explicava o leiteiro aos visitantes. O sabor, cheiro e textura do produto seguiam o ciclo das estações. As embalagens de papel manteiga com o carimbo da estância diferenciavam a manteiga emoldurada a mão e feita com leite de vaca criada no pasto, das manteigas industriais. Como marketing, o leiteiro se gabava de conhecer todos os rebanhos das fazendas vizinhas e seus proprietários, para oferecer à freguesia um produto higiênico, saudável e de qualidade. Afinal, dizia, ele tinha que zelar pessoalmente pela saúde dos seus clientes.
Isso me fez pensar que as mães que alimentam seus filhos no peito podem abrir para eles o mundo dos sabores, ainda durante a lactação, com uma alimentação saudável e diversificada, evitando recorrer ao leite morto, em pó, aditivado com melamina.
Desfilaram na minha mente pratos que ajudariam a animar a mãe e preparar os filhos para sua primeira incursão no mundo da gastronomia.
Acordar com vitaminas de frutas orgânicas e aveia, um bom pão levemente torrado com uma fatia de queijo branco e um mel de engenho ou uma boa goiabada.
Almoçar um nhoque de batata doce com manteiga de garrafa e sálvia.
Ou um capão de milho banhado a fogo baixo até se desmanchar entre abóboras picadas, abobrinhas, chuchu, banana da terra, temperado na hora de servir com salsinha fresquinha picada e o suco de um limão, servido em prato fundo para comer de colher.
Ou um tucunaré de olho vivo recheado com erva doce e sua penugem picada miudinha, embrulhado no papel manteiga lacrado com clara de ovo e assado meia hora no forno aquecido acompanhado de um pirão de leite de mandioca fresca.
De noite, uma sopa de agrião cremosa para mergulhar um belo pedaço de pão ou uma massa fresca com manteiga de pequi.
Nós, adultos que gostamos de cozinhar e criar, já sabemos que o leite e seus derivados ajudam a ampliar, diluir e fixar os perfumes, as essências e os sabores na hora de incorporar eles a uma receita.
Leite materno, a nossa primeira refeição, irriga no seu leito ternura, aconchego, amor, paz, calor, cuidado, segurança, força. Todas as virtudes da boa alimentação.
segunda-feira, 6 de julho de 2009
São Paulo Capital da Gastronomia.
Publicado na Revista Roteiro de Brasília
Muitos anos se passaram da última vez que fui bater perna na Fispal (Feira Internacional para a Indústria de Alimentos e Bebidas de São Paulo) e posso dizer que ela continua muito bem organizada, profissional e variada.
Procurei um piano, nome usado para o fogão na gíria culinária, com olhar ecológico.
Não encontrei.
Lembrei do fogão a lenha da Fazenda Montevidéu em Araras, que aproveitava a fonte do calor das brasas que esquentavam uma serpentina para alimentar as torneiras da cozinha com água quente.
Em SP aproveitei para mostrar alguns restaurantes representativos das várias tendências gastronômicas da cidade ao filho que me acompanhava.
Fomos almoçar no restaurante Emiliano uma salada com mâche, vagem al dente, codorna defumada desfiada e trufas, uma costeleta de cordeiro de leite que derretia na boca, assada no ponto certo, preparado pelo Chef Jose Carlos Baratino.
Deixamos o belo espaço do Hotel para ir comer como sobremesa os deliciosos macarons no Douce France. O dono, Fabrice Le Nud, estava em Cuba e seu segundo Pâtissier Thiago, formado por ele, nos explicou a filosofia da casa. Todos os aprendizes têm que passar por cada atelier, Pâtissier, Glacier, Chocolatier, e só após dominar as técnicas e o conhecimento da especialidade eles estão aptos a passar para outro departamento.
À noite fomos jantar no Sal Gastronomia, restaurante escondido num pátio interno na rua Minas Gerais. O Chef Henrique Fogaça pilota a cozinha e sua mulher Fernanda, sorriso iluminado, recebe os clientes. Pedimos para o Chef preparar um cardápio com toda liberdade. Para abrir o apetite, batata rústica, crocantes por fora e inacreditavelmente leve e airada por dentro, seguida por um tipo de Bruscheta de Polvo, fatias de polvo deitadas sobre um misto de folhas da horta. Como prato principal um copa lombo com quiabo e tomate salteados acompanhado de uma farofa de maça verde, de sobremesa um creme brulé de milho. Dava para perceber que o Chef estava inspirado e de bem com a vida.
No dia seguinte experimentamos o tradicional hambúrguer do Ritz, casa aberta desde o inicio dos anos 80, à noite fomos reverenciar Marie, a segunda geração que dirige o restaurante La Casserole no Largo do Arouche. Foi o primeiro restaurante que conheci quando cheguei a São Paulo. Uma brisa de rejuvenescimento foi dada ao espaço e ao cardápio sem tirar as características “Vieille France” legadas pelos fundadores Tuna e Roger. Abrir um restaurante é complexo, mas herdar uma tradição e mantê-la se adequando a nova era é bem mais difícil.
No último dia passamos pelo Mercado Municipal para comer no balcão de uma peixaria as ostras vivas de Florianópolis, depois fomos até o Santa Luzia, templo dos ingredientes e produtos ligada aos sabores, um La Palma ao tamanho de São Paulo.
De lá andamos até a feira livre da Rua Barão de Capanema, uma explosão de alegria, cor e variedades que se estica por quatro quarteirões.
Na esquina dessa rua, o novo restaurante Dalva e Dito assinado pelo Chef Alex Atala. Com uma proposta ousada, muito gosto e qualidade, ele apresenta uma variação do PF como prato do dia: arroz, dois tipos de feijão, couve picada, farofa de pão tostada e temperada, dois tipos de molhos, uma variedade de pimentas caseiras em conserva, acompanha um rodízio de frango, filet mignon assados numa Rotissoire e um pernil de porco saboroso e úmido.
Na São Paulo de hoje, vc tem muito a descobrir e saborear na diversidade da gastronomia.
Muitos anos se passaram da última vez que fui bater perna na Fispal (Feira Internacional para a Indústria de Alimentos e Bebidas de São Paulo) e posso dizer que ela continua muito bem organizada, profissional e variada.
Procurei um piano, nome usado para o fogão na gíria culinária, com olhar ecológico.
Não encontrei.
Lembrei do fogão a lenha da Fazenda Montevidéu em Araras, que aproveitava a fonte do calor das brasas que esquentavam uma serpentina para alimentar as torneiras da cozinha com água quente.
Em SP aproveitei para mostrar alguns restaurantes representativos das várias tendências gastronômicas da cidade ao filho que me acompanhava.
Fomos almoçar no restaurante Emiliano uma salada com mâche, vagem al dente, codorna defumada desfiada e trufas, uma costeleta de cordeiro de leite que derretia na boca, assada no ponto certo, preparado pelo Chef Jose Carlos Baratino.
Deixamos o belo espaço do Hotel para ir comer como sobremesa os deliciosos macarons no Douce France. O dono, Fabrice Le Nud, estava em Cuba e seu segundo Pâtissier Thiago, formado por ele, nos explicou a filosofia da casa. Todos os aprendizes têm que passar por cada atelier, Pâtissier, Glacier, Chocolatier, e só após dominar as técnicas e o conhecimento da especialidade eles estão aptos a passar para outro departamento.
À noite fomos jantar no Sal Gastronomia, restaurante escondido num pátio interno na rua Minas Gerais. O Chef Henrique Fogaça pilota a cozinha e sua mulher Fernanda, sorriso iluminado, recebe os clientes. Pedimos para o Chef preparar um cardápio com toda liberdade. Para abrir o apetite, batata rústica, crocantes por fora e inacreditavelmente leve e airada por dentro, seguida por um tipo de Bruscheta de Polvo, fatias de polvo deitadas sobre um misto de folhas da horta. Como prato principal um copa lombo com quiabo e tomate salteados acompanhado de uma farofa de maça verde, de sobremesa um creme brulé de milho. Dava para perceber que o Chef estava inspirado e de bem com a vida.
No dia seguinte experimentamos o tradicional hambúrguer do Ritz, casa aberta desde o inicio dos anos 80, à noite fomos reverenciar Marie, a segunda geração que dirige o restaurante La Casserole no Largo do Arouche. Foi o primeiro restaurante que conheci quando cheguei a São Paulo. Uma brisa de rejuvenescimento foi dada ao espaço e ao cardápio sem tirar as características “Vieille France” legadas pelos fundadores Tuna e Roger. Abrir um restaurante é complexo, mas herdar uma tradição e mantê-la se adequando a nova era é bem mais difícil.
No último dia passamos pelo Mercado Municipal para comer no balcão de uma peixaria as ostras vivas de Florianópolis, depois fomos até o Santa Luzia, templo dos ingredientes e produtos ligada aos sabores, um La Palma ao tamanho de São Paulo.
De lá andamos até a feira livre da Rua Barão de Capanema, uma explosão de alegria, cor e variedades que se estica por quatro quarteirões.
Na esquina dessa rua, o novo restaurante Dalva e Dito assinado pelo Chef Alex Atala. Com uma proposta ousada, muito gosto e qualidade, ele apresenta uma variação do PF como prato do dia: arroz, dois tipos de feijão, couve picada, farofa de pão tostada e temperada, dois tipos de molhos, uma variedade de pimentas caseiras em conserva, acompanha um rodízio de frango, filet mignon assados numa Rotissoire e um pernil de porco saboroso e úmido.
Na São Paulo de hoje, vc tem muito a descobrir e saborear na diversidade da gastronomia.
domingo, 5 de julho de 2009
Chef visita Brasília
Publicado na Revista Roteiro de Brasília
- Estou em Brasília, vim visitar a família da minha mulher, vamos nos encontrar?
- Com muito prazer, nos encontramos na Boulangerie, quero te apresentar o tordu, um pão sem levedura e de fermentação lenta que não deve ter em SP.
Zé Carlos Baratino é um jovem Chef, descobri ele há quatro anos quando pesquisava cozinheiros que tinham potencial para participar de um jantar oferecido para o corpo diplomático em Brasília na residência do embaixador da UE onde o menu apresentava uma variedade de ingredientes provenientes dos biomas brasileiros. Ele trabalhava na cozinha de um hotel dos Jardins sobre a batuta do Chef Francesco Carli do Rio de Janeiro.
Logo que cheguei ao ponto de encontro, providenciei um tordu e manteiga.Veio a turma: ele e a mulher, que trabalha numa rede de hotéis internacionais, acompanhado de três alunos da universidade de Brasília.
Após as apresentações, rompemos o pão e a formalidade.Baratino pediu dicas de pontos interessantes, na área da gastronomia da Capital, que trabalham com produtos do Cerrado.
Foi um branco total, o que sugerir para um jovem Chef de destaque em SP?Chamei o padeiro para se juntar a nós e me ajudar. Ele chegou sorrindo com uma amostra das suas criações européias, tortinhas de pêra, bomba de café e de doce de leite, croissants e vários pães.
No mundo da gastronomia, “generosidade” e “compartilhar” são uma das chaves do sucesso.
Pegamos o suplemento de um jornal da cidade, que apresentava um festival de gastronomia “Sabores do Brasil” com as seguintes sugestões: Pene com creme de Brie e Salmão, Risoto de Maçã Verde e Nozes, Prime de Frango a Provençal, Goulash com Knoedel, Ravióli de Lagosta com Frutas Vermelhas, Bacalhau à Dom etc.
Ficamos perplexos.
Lembrei-me do importante trabalho da Rita Medeiros, que está divulgando e resgatando sabores das frutas silvestres do Cerrado, pouco conhecidas aqui e no Brasil, nos seus sorbets e sorvetes. Lá podemos descobrir o Araticum, a Cagaita, o Pequi, a Mangaba, o Caju do Cerrado, a Jabuticaba de Corumbá, o Buriti e outras variedades, dependendo da estação. A ultima criação dela é um sorvete de Queijo da Canastra, do estado de Minas, que é um verdadeiro espetáculo para o paladar.
Procurando dar dicas que permitissem ampliar o descobrimento de sabores da região, sugeri que pegassem o carro e fossem até a Fazenda Babilônia, perto de Pirenópolis, para tomar o café da Telma e degustar seus 22 pratos. Ela recebe os visitantes com um passeio pelos diversos cômodos e anexos do antigo engenho de açúcar do século XVIII. Um maravilhoso museu vivo, que mostra um pouco da história e sua importância para a região. O roteiro acaba na cozinha, com um fogão a lenha e duas imensas mesas de madeira e uma farta e diversificada refeição com receitas da família, como Carne de Rendenho, Matula de Galinha, Paçoca de Carne Seca, Virada de Raspa, Requeijão Goiano, Cavaco de Queijo, Pau-a-Pique, Bolo da Sinhá, Bolo da Senzala, Melado de Cana e Brevidades, que a Telma mantém diligentemente acordadas.
Brasília, capital que está à procura de uma identidade gastronômica, esta é uma boa hora para apresentar aos viajantes a diversidade dos sabores do Cerrado.
Sabor Primordial
Publicado na Revista Roteiro de Brasília
Se você nunca provou uma costela de caititu, de boi ou de carneiro segurando ela com a mão, deixou de descobrir todos os seus segredos. Pegar a comida com a mão libera uma história remota, entocada no seu inconsciente. A sensação é pessoal e intransferível, pode agradar ou desagradar.
Nesse ato “primitivo” você se transporta para além dos enigmas dos sabores e temperos da carne. A liberdade de dispensar talheres rompe preconceitos e abre uma janela de volta para a infância de cada um de nós. A criança leva qualquer objeto à boca para identificá-lo num mundo ainda sem palavras nem regras estabelecidas. Só cores, cheiros e sabores sem nome.
Lembro ter comido uma costela de boi assada inteira num churrasco oferecido por uma família de vinicultores de Bento Gonçalves. Uma mesa comprida de madeira crua se esticava debaixo de um barracão no meio da mata com os pés regados pelo rio das Antas. Só homens animavam o terreiro. O ar impregnado dos cheiros da carne assada e do carvão estalando abria um espaço além do tempo para mergulhar na memória das noites de fogueira, após um longo dia de caça. Quando me vi segurando uma costela de ripa com as duas mãos, feito Obelix na frente do seu javali, arrancando feito um felino tiras de carnes da sua presa, o ambiente se transformou num piscar de olhos num cenário tribal.
Meses depois, de volta à capital, estava sentado numa mesa decorada e cheia de protocolos comendo suculentas costeletas de carneiro assadas que desmanchavam na boca. Olhei em volta para ver se os convidados iam baixar a guarda por um momento e atacar com os dentes a carne agarrada nos ossos.
Lembrei-me vagamente das aulas de etiquetas que permitiam ao gourmet assumido, em alguns casos específicos, pegar a comida com a mão: aspargos frescos, pilão de ave, ostra crua banhada na sua própria salmoura apenas liberada da casca com a ponta da faca, niguirizushi com seu arroz apoiado levemente no molho, temaki enrolada em forme de cone em folha de alga desidratada, batatas fritas vendidas com maionese em cones de papelão nas ruas da Bélgica e costeleta de cordeiro com a parte do osso protegido por um enfeite de papel repicado, manchon. Amparado pelo manual de bom comportamento, eu ia poder levar o osso a boca discretamente e aproveitar o crocante das carnes carameladas que resistiam à faca e ao garfo.
Os ossos limpos transmitiriam ao Chef o recado que o cliente tinha aprovado seu desempenho. Todo Chef sabe que a carne assada, grelhada ou cozida com os ossos fica mais saborosa. Esses pequenos detalhes proporcionam ao comensal uma emoção gustativa de alta relevância, acordando todos os sentidos do seu paladar.
Comer é um exercício iniciado pelo visual acompanhado pelos perfumes, na boca as texturas ajudam todos os sentidos a decifrar os segredos dos temperos e do método de preparo que o Chef aperfeiçoou para realizar sua receita.
Será que a comida tecno, pirotecnia visual na moda nos dias de hoje, trará aos nossos netos a felicidade de reviver lembranças escondidas no nosso inconsciente?
Comer por comer, comer por moda ou comer consciente. A escolha é de cada um.
Se você nunca provou uma costela de caititu, de boi ou de carneiro segurando ela com a mão, deixou de descobrir todos os seus segredos. Pegar a comida com a mão libera uma história remota, entocada no seu inconsciente. A sensação é pessoal e intransferível, pode agradar ou desagradar.
Nesse ato “primitivo” você se transporta para além dos enigmas dos sabores e temperos da carne. A liberdade de dispensar talheres rompe preconceitos e abre uma janela de volta para a infância de cada um de nós. A criança leva qualquer objeto à boca para identificá-lo num mundo ainda sem palavras nem regras estabelecidas. Só cores, cheiros e sabores sem nome.
Lembro ter comido uma costela de boi assada inteira num churrasco oferecido por uma família de vinicultores de Bento Gonçalves. Uma mesa comprida de madeira crua se esticava debaixo de um barracão no meio da mata com os pés regados pelo rio das Antas. Só homens animavam o terreiro. O ar impregnado dos cheiros da carne assada e do carvão estalando abria um espaço além do tempo para mergulhar na memória das noites de fogueira, após um longo dia de caça. Quando me vi segurando uma costela de ripa com as duas mãos, feito Obelix na frente do seu javali, arrancando feito um felino tiras de carnes da sua presa, o ambiente se transformou num piscar de olhos num cenário tribal.
Meses depois, de volta à capital, estava sentado numa mesa decorada e cheia de protocolos comendo suculentas costeletas de carneiro assadas que desmanchavam na boca. Olhei em volta para ver se os convidados iam baixar a guarda por um momento e atacar com os dentes a carne agarrada nos ossos.
Lembrei-me vagamente das aulas de etiquetas que permitiam ao gourmet assumido, em alguns casos específicos, pegar a comida com a mão: aspargos frescos, pilão de ave, ostra crua banhada na sua própria salmoura apenas liberada da casca com a ponta da faca, niguirizushi com seu arroz apoiado levemente no molho, temaki enrolada em forme de cone em folha de alga desidratada, batatas fritas vendidas com maionese em cones de papelão nas ruas da Bélgica e costeleta de cordeiro com a parte do osso protegido por um enfeite de papel repicado, manchon. Amparado pelo manual de bom comportamento, eu ia poder levar o osso a boca discretamente e aproveitar o crocante das carnes carameladas que resistiam à faca e ao garfo.
Os ossos limpos transmitiriam ao Chef o recado que o cliente tinha aprovado seu desempenho. Todo Chef sabe que a carne assada, grelhada ou cozida com os ossos fica mais saborosa. Esses pequenos detalhes proporcionam ao comensal uma emoção gustativa de alta relevância, acordando todos os sentidos do seu paladar.
Comer é um exercício iniciado pelo visual acompanhado pelos perfumes, na boca as texturas ajudam todos os sentidos a decifrar os segredos dos temperos e do método de preparo que o Chef aperfeiçoou para realizar sua receita.
Será que a comida tecno, pirotecnia visual na moda nos dias de hoje, trará aos nossos netos a felicidade de reviver lembranças escondidas no nosso inconsciente?
Comer por comer, comer por moda ou comer consciente. A escolha é de cada um.
O Porco paga o Pato.
Publicado na Revista Roteiro de Brasília
Uma das noticias mais preocupantes para a população nas últimas semanas é a nova gripe suína, a H1N1.Porque falar dela numa coluna ligada ao comer?Eu imagino os porcos de granja recebendo da mão do homem uma ração padronizada, impossibilitados de escolher o que vão comer.
Coitado do “Baby”! Já tem a fama de sujo e comilão, come tudo e de tudo. Agora, culpado pela transmissão do H1N1, ele está frito.Em função da gripe o Egito iniciou uma cruzada de caça aos porcos. Na França os porquinhos mantidos na coleira continuam a procurar as maravilhosas trufas negras, para a felicidade dos gourmets.
Lembro que na década passada a vaca foi obrigada a se alimentar de ração a base de carcaça de vaca, disfarçada em granulados marrom esverdeado, até virar “vaca louca”.A produção de frangos em larga escala, tratados com hormônios de crescimento e ração elaborada a base de resíduos da indústria alimentícia e outros, deu seu alerta na contaminação de dioxina na carne de frango em maio de1999 na Europa.
Nosso país é um dos maiores consumidores de agrotóxico do planeta. Será que os grãos, vegetais e frutos que nós consumimos estão livres de toda influencia nefasta incorporada nesses produtos?As águas da chuva que correm para os rios levam, entre outros, os resíduos dos agrotóxicos para se incorporar à carne dos peixes. Acabam poluindo o litoral e contaminando os peixes e frutos do mar.
Podemos dizer que há algo estranho no reino humano.
A crise pela qual o mundo está passando pode servir, quem sabe, para reindireitar o barco e jogar fora, junto com os ativos financeiros podres, os agrotóxicos usados em excesso.
A agricultura sustentável, além de preservar o meio ambiente, pode valorizar os pequenos agricultores que sustentam suas famílias com trabalho duro. Para que isso aconteça, o público precisa tomar consciência da sua importância na cadeia da produção alimentar.O vírus da gripe não é transmitido pela carne dos porcos. Mas o susto pode ajudar consumidores e artesãos dos sabores a prestar atenção no que muitas vezes se esconde nos ingredientes que comemos ou oferecemos.
Transparência e responsabilidade estão na ordem do dia também na gastronomia.
Em 1994, o prefeito da cidade de São Paulo – aquele que “não tem dinheiro no exterior” – obrigou os donos de restaurante a convidar os clientes a entrar nas suas cozinhas. “Visite nossa Cozinha”. Belo meio de transferir a responsabilidade de fiscalizar e de levar para o ambiente da cozinha mais possibilidades de contaminação.Por falar nisso, acabo de ler uma notícia que no sul do país os restaurantes serão obrigados a por distribuidores de fio dental nos banheiros. Ação relevante para a saúde publica, não acham?
Estamos num bom momento para rever velhas práticas e convicções e analisar a evolução dos métodos utilizados na produção de alimentos, priorizar a essência dos produtos que utilizamos e o estilo de vida que levamos, para corrigir os excessos e as falhas.
Qualidade na matéria prima. É isso que nós precisamos focar, para poder aproveitar e desfrutar dos avanços da ciência na área da produtividade, seja ela industrial ou artesanal.
Uma das noticias mais preocupantes para a população nas últimas semanas é a nova gripe suína, a H1N1.Porque falar dela numa coluna ligada ao comer?Eu imagino os porcos de granja recebendo da mão do homem uma ração padronizada, impossibilitados de escolher o que vão comer.
Coitado do “Baby”! Já tem a fama de sujo e comilão, come tudo e de tudo. Agora, culpado pela transmissão do H1N1, ele está frito.Em função da gripe o Egito iniciou uma cruzada de caça aos porcos. Na França os porquinhos mantidos na coleira continuam a procurar as maravilhosas trufas negras, para a felicidade dos gourmets.
Lembro que na década passada a vaca foi obrigada a se alimentar de ração a base de carcaça de vaca, disfarçada em granulados marrom esverdeado, até virar “vaca louca”.A produção de frangos em larga escala, tratados com hormônios de crescimento e ração elaborada a base de resíduos da indústria alimentícia e outros, deu seu alerta na contaminação de dioxina na carne de frango em maio de1999 na Europa.
Nosso país é um dos maiores consumidores de agrotóxico do planeta. Será que os grãos, vegetais e frutos que nós consumimos estão livres de toda influencia nefasta incorporada nesses produtos?As águas da chuva que correm para os rios levam, entre outros, os resíduos dos agrotóxicos para se incorporar à carne dos peixes. Acabam poluindo o litoral e contaminando os peixes e frutos do mar.
Podemos dizer que há algo estranho no reino humano.
A crise pela qual o mundo está passando pode servir, quem sabe, para reindireitar o barco e jogar fora, junto com os ativos financeiros podres, os agrotóxicos usados em excesso.
A agricultura sustentável, além de preservar o meio ambiente, pode valorizar os pequenos agricultores que sustentam suas famílias com trabalho duro. Para que isso aconteça, o público precisa tomar consciência da sua importância na cadeia da produção alimentar.O vírus da gripe não é transmitido pela carne dos porcos. Mas o susto pode ajudar consumidores e artesãos dos sabores a prestar atenção no que muitas vezes se esconde nos ingredientes que comemos ou oferecemos.
Transparência e responsabilidade estão na ordem do dia também na gastronomia.
Em 1994, o prefeito da cidade de São Paulo – aquele que “não tem dinheiro no exterior” – obrigou os donos de restaurante a convidar os clientes a entrar nas suas cozinhas. “Visite nossa Cozinha”. Belo meio de transferir a responsabilidade de fiscalizar e de levar para o ambiente da cozinha mais possibilidades de contaminação.Por falar nisso, acabo de ler uma notícia que no sul do país os restaurantes serão obrigados a por distribuidores de fio dental nos banheiros. Ação relevante para a saúde publica, não acham?
Estamos num bom momento para rever velhas práticas e convicções e analisar a evolução dos métodos utilizados na produção de alimentos, priorizar a essência dos produtos que utilizamos e o estilo de vida que levamos, para corrigir os excessos e as falhas.
Qualidade na matéria prima. É isso que nós precisamos focar, para poder aproveitar e desfrutar dos avanços da ciência na área da produtividade, seja ela industrial ou artesanal.
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